Brasil: o massacre cotidiano contra negros e negras, por Almir Aguiar

 Brasil: o massacre cotidiano contra negros e negras, por Almir Aguiar

A ONU (Organização das Nações Unidas) instituiu o 21 de março como o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. A data não foi escolhida ao acaso, pois neste dia, em 1960, na África do Sul, 20 mil negros protestaram contra uma lei que limitava os lugares onde eles podiam circular. Mesmo sendo uma manifestação pacífica, tropas do Exército atiraram contra a multidão matando 69 pessoas e ferindo outras 186. O episódio ficou conhecido como o “Massacre de Shaperville”, nome do bairro, na cidade de Johanesburgo, onde ocorreu o trágico e marcante acontecimento.

O massacre cotidiano 

No Brasil, um massacre é uma realidade cotidiana nas favelas e periferias do país: o extermínio de negros por ações policiais. Pela primeira vez, até em função da pandemia, o número de pessoas mortas por ações da polícia caiu pela primeira vez, em nove anos. A queda de brancos mortos foi de 31% no período, mas no caso de negros houve um aumento de quase 6%.

Só em São Paulo, os casos de discriminação racial cresceram no primeiro semestre de 2022, último ano do governo Bolsonaro, superando o total de casos dos dois anos anteriores. Foram registrados, em dados oficiais da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado paulista, 265 casos de racismo pelos canais de denúncia, fora nas situações em que a vítima do crime não denunciam às autoridades.

O racismo cresceu nas ruas e também nas redes virtuais. Os crimes de ódio também aumentaram em 2022 em quase 70%.

Ação e narrativa de governo

Este crescimento tanto no assassinato de negros pelo aparato repressivo do estado quando pelos casos de atitudes racistas não foi por acaso. Houve por parte do presidente Bolsonaro e seu governo, uma ação política de destruição das políticas públicas de combate às desigualdades de raça e gênero, e uma narrativa, do próprio ex-presidente da República de ofensas contra os afrodescendentes e comunidades quilombolas, da mesma forma que fizeram contra indígenas.

O racismo cresceu nas ruas e também nas redes virtuais. Os crimes de ódio aumentaram em 2022 em quase 70%.

É um ataque à própria formação civilizatória brasileira, à cultura, à raça, à religião e às tradições das matrizes africanas em nosso país. O país não sofre apenas um racismo estrutural de governos, mas também de empresas e do mercado de trabalho que repercute na desigualdade salarial e de oportunidades, sempre favorecendo pessoas brancas em detrimento de negros e negras.

Novos tempos

Mas parece que começamos a vislumbrar novos tempos. O presidente Lula sancionou no 11º dia de seu governo, a Lei 14.532/2023, que equipara o crime de injúria racial ao de racismo, tornando-o inafiançável e imprescritível.

A escolha de uma militante de combate ao racismo, Anielle Franco, irmã da vereadora assassinada em 2018, Marielle Franco, e criadora do instituto que tem o nome da então parlamentar, também reacende a esperança de dias melhores no combate às desigualdades, assim como Sõnia Guajajara, como ministra dos Povos Indígenas.

Mas é preciso atentar que, mesmo com a sinalização e ação do governo em favor da igualdade de oportunidades e contra o racismo, somente a mobilização popular, das comunidades negras e de toda a sociedade, poderá mudar esta anomalia social. E este 21 de março é uma oportunidade de reflexão e pensamento crítico que deve permear todos os dias de nossas vidas, através da expressão da indignação e das lutas coletivas para colocarmos fim ao racismo estrutural, cultural e histórico em nosso país. Não haverá emancipação popular do povo brasileiro e nem nação desenvolvida, sem derrotarmos o racismo e sem a consolidação de uma sociedade justa, fraterna e igualitária e isto vai muito além até mesmo do campo ideológico, porque nosso país necessita de que as diferenças de pensamento divirjam, mas convivam de forma democrática, sem ódio, sem desigualdade e sem racismo. Sim é possível.

Nas eleições de 2022, ao eleger Lula presidente, demos um passo fundamental, até para salvar a democracia. Mas este avanço é apenas o primeiro passo. Estamos apenas engatinhando na luta contra a prática e as narrativas de racismo em nosso país.

Reconhecemos, no entanto, que este começo resgata a nossa esperança e consolida a nossa obstinação por novos tempos e por dias melhores. Afinal, a nossa luta e resistência, é a razão da nossa existência. Vamos à luta. Todos os dias.

Almir Aguiar  é secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT e do PT Carioca

Fonte: pt.org.br

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