Glória a todas as lutas inglórias

 Glória a todas as lutas inglórias

Antonio José Medeiros

Falar da história do PT… Pensei em lembrar alguns acontecimentos, destacando o protagonismo de lideranças populares nos anos de implantação do partido no Piauí. Depois, no estado de espírito que a pandemia provoca na gente, veio a vontade de fazer algumas reflexões sobre nossa caminhada. E lembrei logo de versos de canções do Chico Buarque e do Aldir Blanc, que vão servir como duplo e longo título do artigo:

“A gente vai contra a corrente, até não poder resistir,

na volta do barco é que sente, o quanto deixou de cumprir.”

“Glória a todos as lutas inglórias,

que através da nossa história não esquecemos jamais.”

Os versos se completam: o quanto deixamos de cumprir; mas, se a luta foi em parte inglória, ela merece toda glória.

E verso puxa verso. Lembrei do curto poema do Henfil, depois do fraco desempenho do PT nas eleições de 1982: Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente.

Frutos houve; nem os adversários mais ferrenhos podem desconhecer. E o combate tem sido duro, sobretudo nos últimos anos; não dá para ficar na sombra. Talvez tenhamos perdido em parte a capacidade de perceber a beleza das flores. E com certeza, estamos precisando resgatar a intenção da semente. Replantá-la no chão atual, que não é o mesmo de 40 anos atrás.

Em seu Manifesto, o PT não se define como socialista. Defende uma “sociedade sem explorados e sem exploradores”. Anos depois, aprovou Resoluções sobre o “socialismo petista”. Mas, sempre houve uma demarcação em relação ao “socialismo comunista” ou burocrático, realmente existente na União Soviética, Leste Europeu e China; em relação a Cuba, a posição sempre foi mais solidária. E houve uma demarcação também em relação à Social-democracia, por suas posições conciliadoras. O socialismo petista é o socialismo democrático.

Na verdade, repensar o Socialismo é uma questão não está colocada apenas para o PT, mas para toda a Esquerda no Mundo. Não tem a ver apenas com o colapso das experiências comunistas; tem a ver com os horizontes históricos que se colocam para a superação do capitalismo, que continua “uma máquina de produzir desigualdade e exclusão”, mas tem sido capaz de ir em frente, mesmo num clima de crise quase permanente.

Eu fico abismado com a “ressurreição do fantasma do comunismo” pela Nova Direita. No Brasil e Nos Estados Unidos, claramente, é fruto da desinformação da maioria da população, mesmo de jovens estudantes e de profissionais com diploma de curso superior; o fundamentalismo evangélico tem contribuído para isso. Mas é preciso reconhecer que, por trás está a mistificação dos defensores da pós-verdade e dos operadores de fake News, mal-intencionados, esmo que não desinformados. Estão ameaçadas e democracia o “uso razoável da Razão”. E parte da Esquerda acha que a gente tem que responder “à altura”, ou seja, no mesmo baixo nível.

Um projeto socialista, se quer ganhar vigência histórica, precisa ser capaz de entender as mudanças do lugar estrutural do trabalho provocadas pela revolução da telemática. E incorporar num modelo de sociedade as “novas grandes questões” da ecologia e da diversidade.

Enfim, quem aceita a disputa eleitoral como um mecanismo democrático válido – como é o caso do PT – sempre enfrentará a questão de como governar, levando em conta a hegemonia do capitalismo, não só por seu poder midiático e político, mas porque o empresariado é quem comando boa parte (e o neoliberalismo quer que comande todo) do processo de acumulação da riqueza.

Vou falar claro: acho melhor combinarmos, com elaboração teórica transparência, ideologia socialista e políticas públicas social-democratas, do que acomodarmos “discurso ideológico solista” e “prática ´política tradicional”. Precisamos estudar mais a Suécia e seus vizinhos; são anos de elaboração, embora estejam apanhando com a revolução tecnológica e a ofensiva neoliberal.

E aqui saltamos das alturas da ideologia para o “chão da disputa política e programática”. Uma das tarefas que deixamos de cumprir foi a Reforma Política. Para superar a política tradicional fisiológica, oligárquica-familista, clientelista (e tendo que apelar para métodos escusos no financiamento de campanha). As mini-reformas (não coligação proporcional; fundo eleitoral) são um início. Ou conseguimos esclarecer a população sobre a importância do voto em lista, com definição da ordem dos candidatos pela votação direta de todos os filiados, ou não vamos avançar mais. É claro que outros aspectos precisam ser trabalhados.

Vamos resgatar a “intenção da semente” e encontraremos boas saídas.

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