Tarifa Zero é uma construção possível, por Jilmar Tatto
A permissão concedida pelo STF para que os municípios ofertassem transporte público gratuito levantou o debate sobre quem tem acesso à mobilidade, em especial nas grandes cidades. A presunção de que todas as pessoas gozam do direito constitucional de ir e vir entrou em xeque quando ficou evidente que muitos eleitores pobres deixariam de ir às urnas devido ao custo elevado do deslocamento.
Passada a eleição, o prefeito de São Paulo encomendou um estudo para ver a viabilidade da implantação da Tarifa Zero na cidade. Em 2020, quando fui candidato na capital paulista, meu plano de governo já trazia essa proposta. Portanto, eu me coloquei à disposição para compartilhar os estudos feitos na ocasião.
Como sempre, qualquer política pública discutida na cidade de São Paulo entra na pauta nacional, e a Tarifa Zero passou a ser debatida além dos diversos grupos de estudos que militam nessa causa.
Integrante do grupo de trabalho Cidades, da equipe de transição, levei a pauta para debate. Mais do que sair com um receituário prescritivo, o objetivo é criar condições para que os estados e os municípios tenham ferramentas que permitam viabilizar a proposta.
Tenho visto muitas manifestações contrárias, como o editorial de 5 de dezembro do GLOBO, que reduzem o debate a uma canetada monocrática que promoverá uma virada de chave: “a partir de amanhã transporte gratuito pra todo mundo”. Evidente que não será assim.
O plano de governo que apresentei em 2020, por exemplo, previa uma progressão do direito. Além dos grupos de interesses já contemplados, como estudantes, pessoas com deficiência e idosos, minha proposta era estender a desempregados, posteriormente a horários de pouco movimento, depois aos fins de semana, até chegarmos à gratuidade total.
Os argumentos contrários à Tarifa Zero são pertinentes, mas não eliminam a necessidade do debate, tampouco superam os entraves existentes. Além do mais, o modelo atual já está se mostrando fadigado, com necessidade cada vez maior de aporte dos tesouros municipais. E o debate sobre a gratuidade incluirá o aumento do papel da União e dos estados no cofinanciamento do serviço.
Um exemplo da importância dessa repactuação: a Constituição de 1988 sempre previu o repasse da União para custear a gratuidade para pessoas acima de 65 anos. O que nunca aconteceu na prática até a pandemia. A partir do colapso financeiro pela queda de usuários no sistema de transporte, o governo federal disponibilizou um fundo para subsidiar as tarifas municipais.
Hoje, levanto essa bandeira na equipe de transição. A partir de fevereiro, quando assumo meu mandato como deputado federal, levarei o debate à Câmara dos Deputados. Minha experiência como secretário municipal de Transporte de São Paulo — onde as implantações do Bilhete Único e dos corredores exclusivos foram inicialmente criticadas por parte da opinião pública, que rapidamente reconheceu os benefícios das ações — me dá a certeza de que a proposta deverá ser discutida à exaustão. Isso para viabilizar uma política de mobilidade que, além da Tarifa Zero, garanta qualidade no serviço prestado.
Este é um assunto que não é possível esgotar num espaço tão limitado. Há muitas questões para o debate público. Desde o benefício que a medida pode ter na cadeia econômica até a criação de um Sistema Único de Mobilidade nos modelos do SUS, para garantir o direito de ir e vir de todas as pessoas.
Administração pública é uma tarefa que transcende a gestão do passivo existente, e que deve buscar a inovação como um meio. Políticos eleitos não podem se dar ao direito de dizer “o que não tem solução, solucionado está”.
Jilmar Tatto, secretário nacional de Comunicação do PT, deputado federal eleito (PT-SP) e mestre em Ciências pela Poli-USP, foi secretário municipal de Transporte de São Paulo.
Publicado no jornal O Globo, em 08/12/2022.
Fonte: pt.org.br