5 anos do golpe | Como enfrentar a violência política de gênero?

 5 anos do golpe | Como enfrentar a violência política de gênero?

A pesquisa Violência Política e Eleitoral no Brasil, elaborada pelas organizações não governamentais Terra de Direitos e Justiça Global revelou que, entre 01 de janeiro de 2016 a 01 de setembro de 2020, aconteceram 327 casos de violência política no país. Foram registrados 125 assassinatos e atentados, 85 ameaças, 33 agressões, 59 ofensas, 21 invasões e 4 casos de prisão ou tentativa de detenção de agentes políticos.

Embora o levantamento da pesquisa tenha sido realizado com casos de violências que envolvem homens e mulheres, os dados apontam que as mulheres são menos expostas a assassinatos e atentados, mas são submetidas a um cenário cotidiano de ameaças, agressões, humilhações e ofensas.

“Enquanto o corpo físico do homem é um alvo central de ataque, na lógica do oponente político que precisa ser eliminado, a baixa representação de mulheres na política e a estigmatização do seu papel levam a uma dinâmica de não reconhecimento das mulheres como iguais, o que faz com que sua dignidade seja o principal alvo de ataque”, aponta trecho da pesquisa.

Segundo o estudo, os homens são os maiores agentes de violência. Quando o recorte é ameaça eles representam 91% e quando se trata de ofensas representam 93% dos que promovem este tipo de violência. Por outro lado, as mulheres foram vítimas de 76% dos casos registrados de ofensas. O que comprova que a violência política dirigida a elas tem outros contornos, como o não reconhecimento como uma agente política.

 

Se a política é um ambiente hostil para as mulheres, se desde o golpe a violência política tem alavancado no país, principalmente depois da chegada de Bolsonaro ao poder, como enfrentar esse tipo de violência e como garantir que as mulheres possam exercer seus direitos sociais e políticos de forma segura?

Este é o tema da terceira matéria da série 5 anos do golpe, onde vamos abordar os caminhos para exterminar a violência política de gênero do país.

A aceitação de que as mulheres também podem habitar os espaços políticos é um dos entraves na sociedade patriarcal, capitalista e racista e mola propulsora para a violência política de gênero. “A misoginia ocorre quando a mulher ousa sair do papel de bela, recatada, silenciosa, dona de casa. Eles desvirtuam o papel da mulher na sociedade”, explicou a ex-presidenta Dilma Rousseff ao falar sobre o processo de golpe sofrido por ela em agosto de 2016, que tem na misoginia entre uma de suas principais características, que é o ódio às mulheres e nesse espectro o ódio à participação das mulheres na política.

“No momento em que Dilma foi afastada da Presidência, vimos ali uma uma clara posição não só contrária à atuação política daquela mulher especificamente, que procura deslegitimá-la na sua competência como atriz política, mas também um ataque mais amplo aos valores que fundamentam a igualdade de gênero”, ressalta a doutora e professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, Flávia Biroli.

Para ela existe uma conexão muito direta entre a violência política de gênero e processos que limitam a qualificação da própria democracia.

A violência política de gênero atinge as mulheres, mas atinge também os valores democráticos, os processos de qualificação da própria democracia”, enfatiza.

Enfrentamento à violência política

Além de apontar os números da violência política no Brasil, a pesquisa Violência Política e Eleitoral no Brasil apresentou algumas recomendações destinadas ao enfrentamento a essa violência, em especial a violência racial e de gênero. “Órgãos legislativos, órgãos do sistema de justiça e de fiscalização e gestão eleitoral, forças de segurança, partidos políticos e instituições de direitos humanos são atores essenciais para a elaboração e implementação de programas, medidas e políticas eficazes para combater o fenômeno da violência política”, destaca.

Sobre o enfrentamento a violência de gênero e racial entre as recomendações aos partidos políticos está a de que documentos organizacionais devem fazer menção explícita ao compromisso com os direitos humanos, promoção da igualdade de gênero e combate ao racismo nos seus objetivos e princípios fundamentais, comprometendo-se com a adoção de ações concretas para garantir a igualdade e a não-discriminação. Além disso, também cita a criação de “comitê de ética e um comitê disciplinar para proteger as mulheres, especialmente as mulheres negras, da violência que podem sofrer dentro dos partidos políticos”, aponta trecho da pesquisa.

Para Flávia Biroli é muito importante que espaços institucionais, em especial os legislativos, municipais, estaduais e federal tenham espaços para que as denúncias de violência política contra as mulheres sejam realizadas.

“Temos que lembrar que as mulheres são minorias nesses espaços e ainda hoje pode ser difícil denunciar uma violência. É muito importante que a gente discuta isso na sociedade e que essa violência tenha nome, mas que também existam canais para denuncia, reconhecendo a legitimidade dessas denúncias e claro garantindo que essas mulheres possam fazer as denúncias em segurança”, aponta a professora.

Essenciais na democracia, os partidos políticos também são fundamentais no processo de discussão e ampliação do debate sobre a violência política contra as mulheres na sociedade. Biroli aponta duas questões para esse debate nos partidos. A primeira é a ampliação  a paridade de gênero nos espaços partidários, sobretudo, nos espaços de direção. “Isso significa que teríamos mais mulheres tomando parte em processos de decisão internos aos partidos que afetam muito diretamente as possibilidades de que as mulheres se candidatem e que suas candidaturas sejam efetivas”, destaca.

A segunda questão é a necessidade de que partidos políticos discutam internamente a violência política de gênero. “É preciso que deem nome às práticas que constituem essa violência e construam respostas a elas, é preciso que não aceitem que o ambiente partidário normalize essa violência política de gênero”.

Ações

O Partido dos Trabalhadores tem como um dos seus compromissos o enfrentamento à violência política de gênero.

No início de julho, a presidenta do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann apresentou projeto de lei 2513/2021 para instituir o Dia Nacional de Conscientização e  Enfrentamento à Violência Política de Gênero, a  ser  comemorado anualmente em 31 de agosto. Essa iniciativa faz parte do conjunto de esforços da Secretaria Nacional de Mulheres do PT em combater e pautar a Violência Política de Gênero, principalmente nos espaços de poder.

Em Uberlândia (MG), a vereadora petista, Dandara Tonantzin foi autora de um projeto de lei que instituiu o “Dia de Marielle Franco: Dia de Enfrentamento à Violência Política contra as Mulheres Negras, LGBTQIA+ e Periféricas” no calendário oficial da cidade. A data será celebrada no dia 14 de março, relembrando o dia em que a vereadora carioca foi assassinada no Rio de Janeiro, em 2018. O projeto de autoria da vereadora Dandara Tonantzin (PT/MG) foi aprovado nesta quinta-feira, 5, e será instituído a partir de 2022.

A vereadora de São Paulo, Juliana Cardoso, também apresentou o Projeto de Resolução (PR) 31/2021 que altera o regimento da Câmara Municipal e inclui a violência política de gênero como quebra de decoro parlamentar, o que viabilizaria a cassação de mandatos com práticas misóginas e machistas.

Em junho, a bancada do PT na Câmara realizou uma audiência pública para discutir os ataques antidemocráticos a vereadores e vereadoras de todo país. O requerimento foi proposto pela deputada federal Erika Kokay e apoiado por toda a bancada do Partido dos Trabalhadores, que atua na defesa do direito de parlamentares exercerem suas atividades sem serem violentados e violentadas constantemente.

Já no início de agosto, foi sancionado um projeto de lei que altera o Código Penal e considera a violência política de gênero como crime. A lei determina que o estatuto do partido político deve conter normas sobre prevenção, sanção e combate à violência política contra a mulher. E faz alterações no Código Eleitoral para incluir a previsão de crimes contra a mulher na política. Dentre essas alterações, proíbe a propaganda que deprecie a condição da mulher ou estimule sua discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia.

Para além dos partidos políticos, é necessário que toda sociedade seja comprometida em exterminar a violência política de gênero.

A violência política de gênero é uma pandemia que precisa ser combatida de maneira intransigente. É preciso, mais do que nunca, que a sociedade e partidos políticos desenvolvam ações e estratégias para eliminar a violência política e proteger as mulheres no exercício de sua vida política para a garantia da democracia”, destaca a secretária nacional de Mulheres do PT, Anne Moura.

Na próxima semana, a última matéria desta série vai tratar sobre como o Golpe de 2016 escancarou a violência política contra as mulheres no país.

Veja as outras matérias:

5 anos de golpe | Violência política é reação à participação das mulheres na política

5 anos do golpe | A política ainda é um ambiente hostil para todas as mulheres

Flávia Quirino, Elas por Elas

Fonte: pt.org.br

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