É urgente o povo recuperar o controle sobre o orçamento público
A sanção do orçamento de 2021 demonstra uma lógica cada vez mais evidente na gestão dos recursos públicos pelo governo Bolsonaro: o orçamento público está dominado pelo mercado e pelo clientelismo. O mercado pressiona pela redução de serviços públicos por meio do teto de gasto, que impede o crescimento real das despesas, mesmo num contexto de pandemia, afetando investimentos, gastos sociais e com ciência e tecnologia. Além disso, a LOA 2021 aponta para o crescimento de emendas de relator, que serão executadas discricionariamente, sem critérios objetivos, a não ser o atendimento a demandas fisiológicas da base do governo.
O orçamento de 2021 manteve emendas de relator no total de R$ 18,5 bilhões. Diante do teto de gasto, para acomodar tais emendas, foram subestimadas despesas obrigatórias, que o governo recomporá por meio de projeto de lei. Para que tais despesas sejam recompostas, foram cancelados R$ 11,9 bilhões em emendas não impositivas e reduzidos (entre cancelamentos e contingenciamentos) cerca de R$ 17 bilhões de despesas discricionárias do Poder Executivo.
O corte de R$ 29 bilhões foi realizado para atendimento ao teto de gasto e para acomodar as emendas de relator. Isto é, para não estourar o teto e responder à pressão fisiológica, a conta foi paga pelas despesas discricionárias, que foram reduzidas em R$ 17 bilhões, prejudicando investimentos e o funcionamento da máquina e dos serviços públicos.
O teto de gasto e o clientelismo no uso do recurso público terão como contrapartida imediata o prejuízo à população, diante da redução de serviços públicos. Por exemplo, o Censo Demográfico foi inviabilizado. O MEC sofrerá bloqueio de R$ 2,7 bilhões nas suas despesas discricionárias. Como universidades e institutos federais de educação profissional e tecnológica manterão suas atividades, tendo em vista que seu orçamento já era reduzido antes dos cortes? Somando-se os cancelamentos e bloqueios, o MEC perde quase R$ 4 bilhões.
Outro caso relevante é o do Ministério da Ciência e Tecnologia, que terá seu orçamento reduzido em quase R$ 700 milhões. Além disso, o FNDCT, principal instrumento de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação do país, segue com 90% do seu recurso contingenciado (R$ 5 bilhões), ainda que a legislação proíba expressamente o represamento das verbas vinculadas ao fundo.
Em plena pandemia, o Ministério da Saúde perdeu R$ 2,2 bilhões nos cortes anunciados. O recurso de combate à pandemia na saúde sofreu redução de R$ 40 bilhões, cotejando-se os valores aplicados em 2020 e a LOA 2021. Em especial, serão afetados estados e municípios, que, mesmo diante do recrudescimento da pandemia, terão menos recursos para a manutenção de leitos, compras de insumos (medicamentos de UTI, vacinas, equipamentos de proteção individual, entre outros) e contratação de profissionais de saúde. A propósito, entre janeiro e março de 2021, os entes não receberam qualquer recurso para combater a pandemia do Ministério da Saúde, tendo em vista que a proposta orçamentária do governo não reservou R$ 1 sequer para esta finalidade.
A contração fiscal em 2021 praticada pelo Brasil não tem paralelo no resto do mundo. Diante da retomada das regras fiscais, o auxílio emergencial não foi pago em todo o primeiro trimestre, mesmo com a grave situação econômica e social vivida pelo país. O auxílio em 2021 terá valor e cobertura menores do que em 2020, excluindo mais de vinte milhões de pessoas. É possível conceder um auxílio de R$ 600. Os gastos extraordinários de 2020, superiores a R$ 520 bilhões, mostraram que ao Brasil não faltam recursos, mas sobram regras fiscais artificiais que limitam a ação do Estado. O aumento da dívida não implicou elevação significativa do custo de emissão dos títulos, ao contrário do que vaticinavam os conservadores. Ademais, a dívida líquida do setor público no Brasil está em linha com a de diversos países de renda média, tendo em vista a presença das reservas internacionais, acumuladas nos governos do PT.
Portanto, a tese do país quebrado não passa de um subterfúgio para a imposição de políticas de austeridade que reduzem o Estado e abrem espaço para a mercantilização de serviços. Austeridade, a rigor, seletiva, que se aplica a gastos sociais, mas não às verbas controladas por grupos de pressão presentes no tecido institucional, como parlamentares próximos ao governo e militares, que terão R$ 7,3 bilhões adicionais em 2021 para bancar reajustes à corporação. No governo Bolsonaro, conforme demonstra o orçamento de 2021, os fundos públicos foram definitivamente apropriados pelas elites econômicas e políticas, configurando uma espécie de privatização do orçamento.
De um lado, o teto de gasto atende às expectativas do mercado e aponta para um ajuste fiscal permanente, que deverá levar à redução do gasto público em relação ao tamanho da economia. De outro, verifica-se a destinação de recursos crescentes para atender a interesses fisiológicos que não guardam relação com as demandas crescentes da população brasileira por serviços públicos, implicando redução dos recursos para funcionamento das universidades, financiamento à pesquisa e aos gastos sociais.
É urgente o povo recuperar o controle sobre o orçamento público.
Gleisi Hoffmann, deputada federal (PR) e presidenta do PT, e Bruno Moreti, economista e assessor do PT no Senado Federal
Fonte: pt.org.br