Indústria da saúde: “Esse país construiu as bases para ser uma grande nação”, diz Lula
O governo federal avança na estratégia para reindustrialização do país com investimento de R$ 42 bilhões, até 2026, em um dos setores mais importantes para a política industrial brasileira: a saúde. O presidente Lula assinou, nesta terça-feira (26), decreto que institui a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde.
Com seis programas estruturantes, o objetivo é expandir a produção nacional de itens prioritários para o SUS e reduzir a dependência do Brasil de insumos, medicamentos, vacinas e outros produtos de saúde estrangeiros. A maior autonomia do país é fundamental para reduzir a vulnerabilidade do setor e assegurar o acesso universal à saúde para todos. Durante o evento, Lula assinou também decreto que dispõe sobre o Comitê Deliberativo e a Comissão Técnica de Avaliação no âmbito do Complexo Industrial da Saúde.
Uma das prioridades da estratégia é o reforço na produção de insumos que auxiliem na prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças determinadas socialmente, como tuberculose, doença de Chagas, hepatites virais, HIV. Mas a iniciativa conta também com investimento no enfrentamento de agravos relevantes para a saúde pública, como doenças crônicas (câncer, cardiovasculares, diabetes e imunológicas), dengue, emergências sanitárias e traumas ortopédicos.
“O que está acontecendo aqui hoje é a concretização de um sonho que a gente já tinha pensado muito tempo atrás”, disse Lula, em referência ao conceito do complexo industrial da saúde, que começou a ser trabalhado em seu primeiro governo e avançou com Dilma Rousseff, até ser abandonado após o golpe contra a ex-presidenta. “O Brasil precisa tomar uma decisão de querer se transformar num grande país”.
O presidente prosseguiu: “O que nós estamos vivendo hoje é o seguinte: esse país construiu as bases para que a gente seja uma grande nação. Uma grande nação significa que a gente é soberano. Significa o que eu disse para a União Europeia: a gente quer fazer o acordo com a União Europeia, mas a gente não vai ceder compras governamentais, porque compras governamentais é a chance que a gente tem de fazer nossa empresa crescer. Foi assim que cresceu os Estados Unidos, foi assim que cresceu a Alemanha. Por que o Brasil não pode crescer, entregando tudo?”.
Lula destacou ainda o potencial dos investimentos na indústria da saúde para a retomada do desenvolvimento. “Nós temos o SUS, que é uma fonte de garantia da nossa produção no sistema de saúde. Portanto, quem tem mercado, não tem que ter problema. A gente vai consumir grande parte do que a gente produz aqui mesmo, e Deus queira que a gente produza mais, porque a gente vai construir uma aliança forte na América do Sul, na América Latina, com o continente africano, e a gente pode repartir, vender tudo isso a preços acessíveis para os países que ajudaram a gente a produzir. É esse país que nós queremos construir”, enfatizou.
Investimentos
Onze ministérios, ao todo, estão envolvidos na ação, coordenada pelas pastas da Saúde e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, além de nove órgãos e instituições públicas. O lançamento da estratégia é resultado do trabalho do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Geceis), recriado em abril de 2023.
Durante esse período, o grupo focou em eixos prioritários que estão entre as principais necessidades do sistema público de saúde, para garantir a sustentabilidade do SUS.
Entre o investimento até 2026, serão R$ 9 bilhões previstos pelo Novo PAC. Já o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve participar com R$ 6 bilhões, e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com outros R$ 4 bilhões.
O governo federal prevê ainda aporte de cerca de R$ 23 bilhões da iniciativa privada, para suprir o SUS com a produção e tecnologia locais, além de frear o crescimento do déficit comercial da Saúde, de 80% em 10 anos. Em 2013, o déficit era de US$ 11 bilhões. Hoje, chega a US$ 20 bilhões.
Nessa ação pela expansão do CEIS, há recursos previstos também para unidades de produção e pesquisa da Empresa Brasileira e Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ambas do governo federal. Também estão previstos programas para desenvolvimento nacional de vacinas, soros, além de modernização e inovação na assistência prestada por entidades filantrópicas.
A estratégia está integrada ao esforço de implementação da nova política industrial em construção pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), que tem como uma de suas missões o fortalecimento do complexo econômico-industrial da saúde para a maior autonomia do Brasil no setor e ampliar o acesso à saúde.
Autonomia
Atualmente, o setor da saúde representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB), garante a geração de 20 milhões de empregos diretos e indiretos e responde por 1/3 das pesquisas científicas no país. A posição estratégica do Brasil como um grande mercado interno mostra a capacidade de crescimento e ampliação desse setor na economia brasileira.
No entanto, a dependência do Brasil para insumos de saúde torna o SUS vulnerável ao mercado externo, dificultando a aquisição de insumos essenciais. Essa fragilidade ficou ainda mais evidente durante a pandemia da Covid-19.
No caso do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), por exemplo, mais de 90% da matéria-prima usada no Brasil para produção de insumos como vacinas e medicamentos, é importada. Já na área de equipamentos médicos, a produção nacional atende 50%. Em medicamentos prontos, o percentual é de cerca de 60% e, em vacinas, um pouco acima. A meta é atingir média de 70% de produção local no setor.
Os seis programas estruturantes da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde:
1 – O Programa de Parceria para o Desenvolvimento Produtivo envolve a articulação do governo com o setor privado para a transferência de tecnologia, nas conhecidas PDPs, mas agora é orientado ainda mais à redução de vulnerabilidades do SUS e à ampliação do acesso da população à saúde. A estimativa é que o poder público atraia até 2026 em torno de R$ 23 bilhões do setor privado.
2 – O Programa de Desenvolvimento e Inovação Local prevê a retomada dos investimentos em iniciativas locais com foco tecnológico e inovador, como na inteligência artificial para a detecção precoce de doenças, por exemplo. É voltado igualmente aos principais desafios do SUS, levando em conta a necessidade de redução das vulnerabilidades produtivas e tecnológicas, de promoção da sustentabilidade e do acesso à saúde.
3 – O Programa para Preparação em Vacinas, Soros e Hemoderivados visa a autossuficiência em produtos essenciais para a vida dos brasileiros e reúne esforços do poder público e da iniciativa privada. Estimula a produção nacional de tecnologias, a ampliação do acesso e a garantia do abastecimento de vacinas, soros e hemoderivados. A ideia é que as iniciativas sejam monitoradas e envolvam inovação local, além de transferência de tecnologia.
4 – O Programa para Populações e Doenças Negligenciadas é uma retomada da estratégia inicial para a produção pública no país, com foco em doenças como a tuberculose, a dengue, esquistossomose, hanseníase. Este é um dos pontos de maior destaque da nova estratégia do CEIS, que visa a equidade. Engloba o estímulo à produção de tecnologias para melhorar a prevenção, diagnóstico e tratamento da população afetada por doenças negligenciadas, e inclui cooperação entre os setores público e privado.
5 – O Programa de Modernização e Inovação na Assistência abrange em especial as entidades filantrópicas. A proposta é que a expansão do CEIS seja articulada à modernização e inovação na assistência por estas instituições prestadoras de serviços aos SUS. Há previsão de que sejam estabelecidos mecanismos de incentivo e também compromissos para adesão a este programa. Os hospitais filantrópicos são responsáveis por 60% de todo o atendimento de alta complexidade na rede pública de saúde.
6 – O Programa para Ampliação e Modernização da Infraestrutura do CEIS articula investimentos públicos e privados para a expansão produtiva e da infraestrutura do próprio Complexo. O objetivo é viabilizar a capacidade de produção, tecnológica e de inovação do CEIS, algo necessário para a execução dos demais cinco programas listados.
Ampla participação social
Durante a solenidade, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou que “hoje é um dia de retomada; retomada com inovação, retomada para um novo tempo”, e destacou que a estratégia que estava sendo lançada foi aprovada durante a 17ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em julho, com a presença do presidente Lula e ampla participação dos movimentos sociais nas discussões.
Nísia detalhou que a nova política está prevista na Diretriz 44 da CNS, que diz: “Garantir o Complexo Econômico-Industrial da Saúde como uma política de Estado comprometida com as demandas da sociedade brasileira, a fim de garantir o acesso universal, equânime e integral a tecnologias que aumentem a qualidade de vida das pessoas e assegurem o desenvolvimento produtivo e de inovação no país”. A ministra acrescentou que a nova industrialização é uma política cujo pilar é o desenvolvimento voltado à inclusão, com sustentabilidade social e ambiental.
Nísia lembrou do trabalho dos governos petistas para fortalecer a indústria da saúde e lamentou o aparelhamento e desmantelamento do SUS nos últimos quatro anos. “Infelizmente, o Brasil, hoje, retrocedeu. Essa que é a verdade revelada pela pandemia de covid-19”, disse, em referência à mistura de descaso e incompetência que marcou a gestão da crise sanitária pelo governo anterior, o que deixou um saldo trágico de 700 mil mortes pela doença.
Balança comercial
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, falou da importância da nova política para reverter o déficit comercial do Brasil na área da saúde.
“Hoje, quero cumprimentar a ministra Nísia, porque estamos juntos trabalhando com a ministra Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação) para a gente dar um passo no complexo industrial da saúde. É o segundo maior déficit da balança comercial, só perde para eletroeletrônicos. E temos tudo para crescer, e temos que investir”, afirmou Alckmin.
Ele lembrou dos esforços do presidente Lula para fortalecer o setor de saúde ainda durante o governo de transição. “O governo Lula já começou a trabalhar antes da posse, colocando 22 bilhões a mais no Ministério da Saúde. Voltou o Mais Médicos, voltou o Farmácia Popular, e, agora, fortalecer a indústria, uma neoindustrialização”, pontuou. “Esse é o setor que mais vai crescer no mundo. Junto com TI, é a indústria da saúde, e o Brasil tem tudo para liderar esse trabalho”.
Fonte: pt.org.br