Vem aí, a maior campanha cívica da história do Brasil
Por Luis Nassif, jornalista, no GGN
O jantar de ontem, do grupo Prerrogativas, foi o momento zero da, provavelmente, maior campanha cívica da história, ao selar os novos tempos, de aproximação de políticos de diversas extrações, em um pacto de reconstrução nacional.
Mas a nota mais simbólica do encontro – em uma das churrascarias mais caras de São Paulo – foi a foto dos funcionários filmando Lula com seus celulares.
Peça 1 – o efeito-mola da tragédia atual
As palavras-chaves da campanha de 2022 e de um possível governo Lula 3 serão: Brasil, solidariedade, reconstrução, confraternização.
É importante entender os movimentos de opinião pública, as pequenas erupções que antecedem as grandes explosões posteriores. Foi assim com a semeadura do ódio que passou a grassar a partir de 2005, teve o ápice com a Lava Jato e com sua consequência óbvia, o bolsonarismo.
Havia a falta de perspectivas, o fim do período de crescimento, criando um sentimento difuso de frustração. Mesmo com os inúmeros avanços do período anterior, crescia o sentimento antipolítica e de combate ao inimigo, alimentado pela mídia, montando o efeito mola-comprimida. O gatilho que fez a mola distender foi a Lava Jato e seu filho aleijão, o bolsonarismo.
Agora, o efeito-mola é em outra direção. Os fatores de compressão são os seguintes:
Pandemia, trazendo a sensação de orfandade em relação ao Estado.
Isolamento, provocando uma enorme vontade de sociabilidade.
Ultraje ao país, praticado diariamente pelo bolsonarismo, reforçando o sentimento de reconquista do país.
O desmonte de todas as políticas públicas, trazendo o sentimento de urgência.
Fome espalhada por todo o país, reforçando o sentimento de solidariedade geral.
Falta de perspectivas, responsável por uma depressão nacional.
Todos esses fatores promovem uma gigantesca mola reprimida. E o gatilho inevitavelmente será a campanha eleitoral de 2022.
Haverá, de um lado, a campanha mais decisiva e mobilizadora da história, uma soma do sentimento de solidariedade da Abolição, de soberania da Petróleo é Nosso e de recuperação do poder civil, das Diretas.
Haverá também um enorme acervo de figuras simbólicas, como Marielle, Paulo Gustavo, o calvário de Lula e, especialmente, o retrato das crianças subnutridas da Cracolândia.
Na outra ponta, à medida que ficar mais clara sua derrota, o bolsonarismo enveredará por sua natureza primal, o crime, em suas diversas nuances.
Essa face criminosa, pré-bolsonarista, foi claramente demonstrada nos atentados à bala à comitiva de Lula no sul do país, nos atentados ao Instituto Lula, que a mídia insuflava com seu discurso de ódio e com o silêncio irresponsável em relação aos atentados. Nenhum deles foi apurado, comprovando a cumplicidade milicias-polícia..
Na campanha eleitoral, todas as irresponsabilidades do período Bolsonaro cobrarão a conta, incluindo a vergonhosa postura das Forças Armadas, permitindo a entrada de armas e o não rastreamento dos armamentos, criando um vulcão podendo explodir a qualquer momento. Para garantir alguns milhares de empregos, abriram mão da função primordial, do monopólio da força, essencialmente para a defesa do país. Osório, Caxias, Tamandaré devem revirar no túmulo ao perceber em que se tornaram as Forças Armadas brasileiras.
Haverá uma guerra sem quartel, com o exército bolsonarista possivelmente recorrendo a várias formas de violência. Como toda a reação cívica está concentrada em uma figura apenas – Lula – a possibilidade de atentados contra ele é concreta.
Por outro lado, essa reação ao bolsonarismo poderá ser uma freada de arrumação para que entrem na linha todos os poderes emporcalhados por esses tempos de libação – Forças Armadas, Supremo, Senado, mídia. E para que executiva e militância do PT aceitem o compartilhamento de poder com forças aliadas.
Peça 2 – os comandantes da batalha cívica
Um dos pontos a ser observado é a perda de rumo da mídia. Alguém escreveu acertadamente que o anti bolsonarismo erodiu o antilulismo.
De fato, na mídia há, em uma ponta, editoriais defendendo a terceira via e, Sérgio Moro e insistindo em um antilulismo anacrônico e preconceituoso. Na outra, os colunistas mais destacados fugindo da ordem unida da terceira via por razões objetivas:
A constatação de que o bolsonarismo é uma ameaça fatal ao país.
O conhecimento da verdadeira natureza de Sérgio Moro.
A absoluta falta de perspectiva da terceira via.
A impossibilidade de ignorar a miséria existente, sob pena de desmoralização final, após o vexame do apoio incondicional à Lava Jato.
A eleição de Bolsonaro significou a eclosão do ódio alimentado e acumulado por anos e a aposta no desconhecido.
A próxima campanha será a aposta no conhecido. E apenas Lula tem popularidade, acervo de políticas voltadas para o combate à miséria e propostas de conciliação.
Peça 3 – a bandeira da solidariedade
O grande desafio será transformar a solidariedade em pacto político e de governabilidade.
Houve um período, especialmente no segundo governo Lula, em que os indicadores sociais ganharam relevância, especialmente depois da repercussão junto à mídia internacional. Certamente estarão de volta, monitorando as discussões sobre a reconstrução nacional, em lugar dessa discussão estéril, o samba de uma nota só da mídia sobre Lei do Teto, metas inflacionárias, taxa de juros de equilíbrio e outras irrelevâncias.
No plano político, o caminho poderá ser o da Federação de partidos – vários partidos organizados em torno de uma federação, que amarra os votos a propostas previamente aprovadas.
No plano administrativo, o desafio será impedir o aparelhamento dos órgãos de governo – especialmente aqueles ligados a direitos sociais.
No primeiro governo Lula, o aparelhamento criou estruturas pouco porosas às demandas da sociedade civil. Em muitas pastas, a nova burocracia parecia mais interessada em impedir que os conflitos dos movimentos pudessem incomodar as instâncias superiores. Mas era um partido ainda sem experiência maior no plano federal.
O grande pacto nacional não será no plano político, mas na forma de gerenciamento da máquina pública.
Cada pacto será consolidado no âmbito interno do Estado. Daí a importância de ampliar a diversidade de forças nos escalões intermediários.
Lula tem duas figuras-chaves para administrar esses problemas.
Nos modelos de participação, existe Gilberto Carvalho, o mais discreto e mais antenado dos estrategistas do PT. No governo Dilma, Gilberto montou um modelo eficiente para que as deliberações das Conferências fossem adotadas por todos os ministérios, especialmente os grandes. A iniciativa foi torpedeada por uma mídia desinformada e preconceituosa, que taxou de modelo venezuelano, e pela pouca disposição e paciência de Dilma com o alarido natural dos movimentos.
A segunda figura é Fernando Haddad, no plano administrativo o mais competente Ministro que conheci, e mais intelectualmente aparelhado para consolidar um discurso de racionalização sobre o modelo de desenvolvimento integrado. Provavelmente Haddad será candidato ao governo de São Paulo. Em um governo Lula, seria o Ministro-Chefe da Casa Civil dos sonhos.
Finalmente, as ferramentas das redes sociais – inaugurada por Bolsonaro – serão armas extraordinárias para o discurso didático-político de Lula, como o grande narrador das batalhas de reconstrução em todas as frentes.
Peça 4 – as conferências nacionais
A peça central de um provável Lula 3 será a aposta em todas as formas de gestão participativa, com o retorno das Conferências Nacionais, da Conselhão, dos fóruns da ABDI (Agência Brasileiro de Desenvolvimento Industrial).
Trata-se da forma mais avançada de federalismo, com experiências muito bem sucedidas, mas interrompidas a partir do governo Dilma – e obviamente satanizadas pelos governos univitelinos de Temer e Bolsonaro.
Previstos na Constituição, o modelo é assim:
Para as principais políticas públicas, monta-se em cada Estado e nos municípios instituições paralelas às que operam no Executivo Federal. Por exemplo, Ministério de Desenvolvimento Social no Federal; secretaria de desenvolvimento social nos estados. E, debaixo delas, Secretarias municipais.
As conferências começam nos municípios, com os participantes discutindo propostas e resultados. Depois, há a conferência nacional, reunindo os conselhos municipais, uniformizando as demandas. Finalmente, a conferência nacional, de onde sairá um documento final com recomendações para o setor.
A partir desse documento, a União articula as políticas nacionais, disponibilizando verbas para estados e municípios, para projetos amarrados às propostas aprovadas.
Em outros temas – como inovação, educação, comunicação – as conferências juntaram grandes e pequenas empresas, sindicatos de trabalhadores, ONGs ligadas a empresas e à esquerda, permitindo um momento único de criação de consensos.
Em outros campos, cresceu a idéia dos planos econômicos integrados, como foi o Programa de Desenvolvimento Produtivo (PDP), criação extraordinária da Fiocruz. Já escrevi sobre esse modelo, que certamente será a matriz para inúmeros projetos setoriais.
No final do primeiro governo Lula, fui convidado a alguns eventos no então Ministério do Planejamento, onde alguns funcionários de carreira expuseram modelos modernos de utilização da Internet para casar os planos plurianuais com o escrutínio externo das Conferências e o trabalho técnico do Tribunal de Contas da União (TCU). Eram ideias formidáveis, mas que pararam na centralização de Dilma – uma gerente fantástica para projetos isolados, mas excessivamente centralizadora para coordenar vários projetos simultaneamente.
Peça 5 – a banda do desenvolvimento
Há alguns momentos da história em que a perspectiva de se ter governos racionais promove uma explosão de criatividade na sociedade civil, academia, associações. As boas ideias saem da gaveta.
Foi assim no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, movimento abortado pela falta de gana do presidente e por sua postura de foco único na financeirização do país.
Retornou no primeiro governo Lula, com experiências variadas trazidas pela academia e, especialmente, pelos especialistas em políticas sociais. Muitas goraram por excesso de sonho – como o municipalismo radical da esquerda gaúcha. Outras se consolidaram e se transformaram em políticas públicas vitoriosas. Mas ainda era um progressismo infante, de primeiros anos.
Mas não se tenha dúvidas de que, na próxima campanha, haverá o renascimento de fato do país.
Fonte: pensarpiaui.com