Mulheres negras são mais impactadas pela pandemia, dizem especialistas
Especialistas afirmaram nesta segunda-feira (23) que a comunidade negra, especialmente as mulheres, foi o segmento da sociedade que mais sofreu com a pandemia da Covid e seus efeitos econômicos e sociais. A constatação ocorreu durante audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara (CSSF), que debateu “os impactos da Covid-19 na comunidade negra”. O encontro foi uma iniciativa da deputada Benedita da Silva (PT-RJ), que também presidiu a reunião.
Ao abrir a audiência pública, a parlamentar carioca destacou que a falta de ação do governo Bolsonaro em tentar controlar o vírus que causou até agora quase 580 mil mortes, afetou especialmente a comunidade negra, notadamente as mulheres.
“Essa situação é responsabilidade de um governo que não honrou a boa tradição do nosso País no controle epidemiológico desenvolvida ao longo de décadas. O que vimos foi a falta de equipamentos, de EPI’s, de profissionais de saúde, falta de cilindros de oxigênio e de leitos de hospitais”, apontou Benedita da Silva.
A diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, ao repetir os argumentos que apresentou na CPI da Pandemia no Senado, quando afirmou que no Brasil ocorreram 305 mil mortes a mais do que o esperado, ressaltou que essa tragédia atingiu especialmente grupos mais vulneráveis da sociedade, especialmente a comunidade negra e suas mulheres. Segundo ela, isso ocorreu por causa da não adoção de medidas para evitar a proliferação do contágio, como a testagem e isolamento de infectados, além da falta de estímulo ao distanciamento social e uso de máscara.
“Esse tipo de ausência de política pública afetou a população em geral, porém prejudicou ainda mais a população negra, especialmente as mulheres, que tiveram e ainda têm que pegar ônibus, trens e metros abarrotados para ir para o trabalho, ou tiveram que sair de casa porque não tiveram condições de ficar em casa se protegendo”, apontou.
A representante da Anistia Brasil lembrou o caso da primeira pessoa morta por Covid no Rio de Janeiro, uma empregada doméstica negra que trabalhava no Leblon e foi infectada por seus patrões. “Essa empregada doméstica se infectou no Leblon, e foi morrer no interior do Rio de Janeiro, sem condições de proteger a sua saúde e de outras pessoas. E dessa forma a Covid também atingiu as comunidades negras”, observou.
Trabalhadoras entregues à própria sorte
Já a representante da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) Luiza Batista Pereira ressaltou que além das contaminações, que resultaram em mortes que não foram contabilizadas em estatísticas oficiais, as trabalhadoras domésticas – em sua maioria mulheres negras – também enfrentaram, e ainda enfrentam, retrocessos sociais nessa pandemia.
“Temos mais de 1,3 milhão de trabalhadoras domésticas que perderam o emprego ou tiveram seus contratos de trabalho suspensos. E ainda existem denúncias de empregadores que se aproveitaram desse fato para não recolher o FTGS e outros direitos, mas continuaram utilizando o trabalho dessas trabalhadoras”, protestou.
A representante nacional da categoria reclamou ainda que muitos governadores dificultaram a proteção das trabalhadoras domésticas, ao colocaram nas legislações locais esse serviço como essencial durante a pandemia. “Assim impedindo que elas se protegessem ao serem obrigadas a ir trabalhar pegando o transporte público”, explicou Luiza Pereira.
Quilombolas abandonados
A cofundadora e membro da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Givânia Maria da Silva, também denunciou que os quilombolas foram abandonados pelo governo Bolsonaro na pandemia. Segundo ela, até mesmo um banco de informações sobre as necessidades dos quilombolas teve que ser construída pela Conaq.
“A Conaq teve que construir informações para identificar necessidade básicas de famílias quilombolas que precisavam de uma cesta básica para sobreviver. Muitas dessas famílias ou não podiam produzir por falta de regularização de sua terra, ou ficaram sem ter como vender o que produziam durante a pandemia”, ressaltou.
Ela reclamou ainda que o governo federal não ofereceu alternativa, por exemplo, nem mesmo quando o governo disponibilizou o auxílio emergencial por meio do cadastro em um aplicativo da Caixa.
“Imagina uma mulher negra, vivendo em uma comunidade sem internet. Como ela iria comprar um celular para acessar um aplicativo da Caixa para ter acesso a um benefício? Muitos quilombolas não tiveram como ter acesso a esse benefício”, afirmou Givânia da Silva.
Faltam políticas públicas
Representando a Fundação Getúlio Vargas, a Assistente Social e Mestre em Políticas Públicas, Renata Ferreira, disse que o País precisa ter políticas públicas específicas para as mulheres negras.
“O que a pandemia fez, de fato, foi escancarar a ausência de política púbica específica para as mulheres negras e suas demandas. As mulheres negras correspondem a 62% do total dos inscritos no CadÚnico (cadastro de pessoas em programas sociais do governo federal), que corresponde a um total de 25 milhões de famílias”, disse.
De acordo com a especialista, o grande problema é que o País não tem um banco de dados para auxiliar na construção, formulação e avaliação dessas políticas públicas. “Enquanto não encararmos que precisamos de dados para construir políticas públicas para mulheres negras, vamos sempre ficar nessa sombra de ausência”, explicou Renata Ferreira.
Segundo ela, se esse problema for corrigido e houver vontade política, o Brasil já dispõe dos meios para fazer com que a política pública alcance o seu público-alvo: as mulheres negras.
“O Brasil tem hoje um Sistema Único de Assistência Social (SUAS) presente em todos os municípios brasileiros, que é um dos maiores do mundo. Infelizmente hoje vivemos esse desmonte das políticas assistenciais, e só existe destinação de recursos para ações emergenciais”, lamentou.
Fonte: pt.org.br