Dia Nacional da Saúde: é preciso defender o SUS, ameaçado de extinção
A celebração, nesta quinta-feira, 5 de agosto, de mais um Dia Nacional da Saúde deve ser feita com espírito de luta. Desde que foi criado, pela Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) nunca foi tão atacado, seja por sucessivos cortes de recursos, seja pela ameaça de privatização, projeto que Jair Bolsonaro e Paulo Guedes sonham implementar, abandonando brasileiras e brasileiros à própria sorte, principalmente os mais pobres.
É um erro, no entanto, pensar que o desmonte do SUS prejudica apenas as classes sociais mais vulneráveis. O sistema atende a todos os 212 milhões de brasileiros, sem exceção, mesmo aqueles que não buscam consultas, internações, cirurgias, medicamentos e tratamentos na rede pública. Afinal, é o SUS que oferece todas as vacinas de que a população necessita desde a infância, realiza transplantes de órgãos, oferece o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e promove as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, entre vários outros serviços.
Esse importante sistema vem sendo destruído nos últimos anos, a ponto de hoje ter sua existência ameaçada. “Um dos mais graves desafios que enfrentamos neste momento é a sustentabilidade do SUS. O sistema sofre historicamente com o subfinanciamento, mas, a partir do golpe de 2016 e, mais gravemente ainda, a partir da emenda do teto de gastos, passou a viver um quadro gravíssimo de desfinanciamento”, analisa o médico e ex-ministro da Saúde Arthur Chioro.
A Emenda Constitucional 95, promulgada nos últimos dias de 2016, foi o mais duro golpe sofrido pelo SUS em sua história, pois acabou com a obrigatoriedade de se reservar para a Saúde o mínimo de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), ou o total arrecadado pelo governo no ano. Além disso, a regra criada pelo governo de Michel Temer e levada a cabo por Bolsonaro estabeleceu um teto de gastos, proibindo que os investimentos no setor cresçam a cada ano, tendo de ficar limitados ao mesmo valor de 2017, acrescida apenas a inflação.
Na prática, o que se viu foi uma perda de receita monumental. Análise realizada pelo consultor do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Francisco Funcia mostrou que, de 2017 para 2019, a redução do orçamento do SUS ultrapassou os R$ 20 bilhões. Com isso, o Estado só conseguiu investir na área R$ 3,83 por dia para cada brasileiro, segundo dados do Conselho Federal de Medicina (CFM). “É menos que uma Coca-Cola, menos que uma passagem de ônibus”, ressalta Chioro.
Nem mesmo a pandemia de Covid-19 fez os cortes pararem. Em 2020, graças aos esforços da oposição, o Congresso Nacional permitiu o descumprimento do teto de gastos, o que garantiu um aumento de recursos para o SUS naquele ano. No início de 2021, porém, o governo Bolsonaro fez questão de retomar a agenda neoliberal e reduziu em R$ 20 bilhões o orçamento da Saúde, mesmo com todos os sinais de que a pandemia de Covid-19 ganhava força.
Privatização
Ao mesmo tempo em que abandonam o setor público, Jair Bolsonaro e Paulo Guedes fazem de tudo para privilegiar o sistema privado. Em aliança com os planos de saúde, o governo federal prepara a Política Nacional de Saúde Suplementar, que utiliza o argumento de integrar os serviços públicos e particulares, mas quer, na verdade, privatizar o SUS.
Ideia do ex-ministro de Temer e hoje deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), aquele mesmo citado por Bolsonaro como articulador da roubalheira com a vacina indiana, a política joga os pacientes nas mãos dos chamados seguros de saúde populares, que aguardam autorização para funcionar. “A proposta vislumbra uma integração reversa, na qual o SUS entra como coadjuvante e as operadoras se apresentam como as protagonistas do sistema de saúde”, denunciam especialistas da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em nota técnica que merece ser lida.
E esse processo ocorre no momento em que o SUS deveria ser fortalecido como nunca. Afinal, além de continuar o enfrentamento da pandemia, a rede pública precisa dar conta de outros dois desafios: tratar uma série de outras doenças, cujo enfrentamento acabou adiado em 2020 para que o sistema lidasse com a Covid-19, e atender os pacientes que sobrevivem ao novo coronavírus e acabam com os mais variados tipos de sequelas.
“A pandemia não se encerrará com a redução dos casos confirmados ou das mortes. Ela continuará e seus efeitos serão duradouros”, alerta ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, referindo-se aos pacientes com sequelas. “Para enfrentar esses impactos, necessitamos de políticas públicas que enxerguem o brasileiro como cidadão de direitos, e não apenas como números e custos”, acrescenta o hoje deputado federal (PT-SP), autor do Projeto de Lei 14128/21, que garante indenização aos familiares dos trabalhadores da saúde em caso de morte no enfrentamento à pandemia.
Para Arthur Chioro, não há dúvidas de que, por essas razões, os recursos destinados ao SUS, particularmente da esfera federal, são hoje um dos temas mais prioritários da agenda política do país. “É importante ressaltar que estados e municípios, sozinhos, não têm capacidade de sustentar o SUS. Essa é uma tarefa fundamentalmente da União, mas o governo Bolsonaro, seguindo a lógica neoliberal de Guedes, procura se esquivar dela, impondo cada vez mais a expansão dos interesses privados em detrimento do interesse público. Na saúde, isso significa menos vida, mais mortes e mais infelicidade para a sociedade brasileira”, avalia Chioro, antes de concluir: “Tudo isso vai passar, mas é preciso defender o SUS”.
Da Redação