Em entrevista, Lula revela-se (novamente) um grande democrata

 Em entrevista, Lula revela-se (novamente) um grande democrata

Com informações Diário do Grande ABC  

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acredita que a retomada da força do PT na região, depois de derrotas acachapantes em 2016 e em 2018, passará por êxitos eleitorais em São Bernardo, onde o partido aposta fichas no ex-prefeito Luiz Marinho, e em Diadema, onde o ex-chefe do Executivo José de Filippi Júnior tenta retornar ao Paço. Em entrevista exclusiva ao Diário, Lula fala sobre o momento do petismo, discorre a respeito da economia do Grande ABC e pede que haja união de forças para pensar em alternativas para o futuro das sete cidades diante da forte transformação tecnológica pela qual a indústria atravessa.

O PT vem de um forte desgaste nas últimas eleições. O que é possível prever para o partido na eleição deste ano?

Vamos levar em conta que o Partido dos Trabalhadores passou por momento difícil. Houve tentativa de destruição da imagem do PT. Se o PT fosse partido comum, teria mudado de nome, como fazem todos os partidos políticos quando estão em crise, eles mudam de nome.  As pessoas são as mesmas. É como patrão que não paga seus funcionários e seus impostos, muda a razão social da empresa, muda de local e continua sem pagar. O PT resolveu enfrentar seus problemas. O PT já governou toda Região Metropolitana de São Paulo, com exceção de São Caetano. Em 2008, o PT governava quase todas as cidades importantes deste Estado. Eram 22 milhões de pessoas governadas pelo PT, inclusive na Capital. Na democracia, acontecem essas coisas. Um ano você ganha, no outro perde, e assim vai. Esse é o processo saudável da democracia. Permite rotatividade de poder. De partidos, de pessoas, segmentos sociais na governança. O PT não deve se lamentar porque perdeu uma eleição. Quando perdemos uma eleição, a gente tem de se preparar para ganhar a próxima. Sabendo que o adversário também quer ganhar. O PT está no momento importante da sua vida. Teve momento mais difícil na eleição de 2016, muito complicado, no qual muita gente sequer queria ser candidato. O PT perdeu várias cidades importantes e o PT está tentando recuperar essas cidades. O PT tem bons candidatos, tem boa experiência administrativa e qualquer cidadão de boa-fé que analisar o que acontece em cada cidade e o que era feito nas prefeituras do PT vai perceber com clareza e facilidade que não existe nenhum partido que governa as cidades cuidando do povo como o PT fazia. Estamos disputando as eleições. Pretendemos ganhar todas as cidades. Se não ganhar todas as cidades, queremos ganhar aquelas que onde é possível ganhar. E o PT continua sendo o mais importante partido de esquerda da América Latina. Decidimos lançar candidatura em cidades importantes, sobretudo em cidades que têm rádio e TV, porque é importante construir a narrativa da importância do PT, do legado do PT. Houve durante os últimos dez anos a tentativa da destruição das coisas boas feitas pelo PT e de construir as coisas negativas que a nossa oposição achava que o PT tinha feito. O PT precisa defender seu legado, concomitantemente apresentar proposta para o futuro de cada cidade.

Como o sr. vislumbra a eleição no Grande ABC depois de, pela primeira vez, o partido não ter emplacado prefeitos em nenhuma das cidades?

Estou feliz com as nossas candidaturas no Grande ABC. A volta da candidatura do (Luiz) Marinho (de São Bernardo), do (José de) Filippi (Júnior), a Bete Siraque em Santo André. Temos candidatura em Mauá, em Ribeirão Pires, em Rio Grande da Serra, em São Caetano. Isso para nós é muito importante. Para repor ao povo das cidades do Grande ABC aquilo que foi feito. Como (ex) presidente da República tenho noção do que era o Grande ABC antes de eu chegar à Presidência da República. Entre 1989 e 1999, em dez anos de governos tucanos, tivemos no Grande ABC perda de empregos de 360 mil postos de trabalho. Foi exatamente a partir do meu governo que recuperamos praticamente 187 mil novos empregos da indústria do Grande ABC, formais, de carteira assinada, que foram perdidos outra vez. Temos situação delicada de emprego no Grande ABC. Tenho certeza da quantidade de recursos que disponibilizamos para Santo André, Diadema, São Bernardo. Eu não queria saber o partido que governava. Não queria saber quem era o prefeito. Queria saber se o projeto que o prefeito levava para a Presidência da República ou para o Ministério do Planejamento era viável, se atendiam aos interesses da maioria. Por conta disso tivemos muitos investimentos. Se você pesquisar no arquivo do Diário do Grande ABC vai constatar e eu poderia repetir: nunca antes da história do Brasil um presidente colocou tanto dinheiro na região como eu coloquei. Isso posso dizer com orgulho. Outro orgulho é a Universidade Federal do ABC. Era um sonho do povo de Santo André, de São Bernardo, de Diadema, de Mauá. Mas também era sonho meu. Eu não conseguia compreender como uma região tão bem desenvolvida não tinha uma universidade federal. Tudo isso vejo com orgulho e vejo que nossos companheiros que são candidatos têm totais condições de recuperar a administração das prefeituras do Grande ABC. Estou muito otimista com a disputa das eleições.

O PT tem apostado em lideranças antigas em busca de recuperar terreno, como Luiz Marinho e Filippi. Qual importância de recuperar essas cidades, já que Diadema foi o primeiro município administrado pelo partido e São Bernardo tem um candidato muito próximo ao sr.?

Veja a qualidade pessoal do Marinho e do Filippi. Eu frequento Diadema desde 1969, entregando panfleto na porta de fábrica. Em Diadema tenho certeza que o Filippi entrará para a história como o prefeito mais importante, que mais realizou em Diadema. Ele cuidou da questão da segurança, que chegou a ser tida como modelo da cidade, fechou o comércio, os bares, restaurantes depois das 22h, ou seja, acabou com a violência domiciliar. Se as pessoas não estão violentas em casa, diminui a violência nas ruas. Filippi foi exemplo de como utilizar a prefeitura para combater a violência. Na saúde o Filippi foi um monstro sagrado porque investiu muito nessa questão, inclusive com o Quarteirão da Saúde, uma obra que está lá e que me parece não está funcionando bem.  Acho que com a volta do Filippi poderemos consertar. Diadema viveu período de ouro entre 2001 e 2010. Foi a segunda cidade geradora de empregos do Grande ABC, chegou próxima de são Bernardo, a renda per capta dos trabalhadores cresceu bastante. Diadema era a cidade feia do Grande ABC no passado.  Eu frequentava Diadema no tempo em que a Antonio Piranga era uma rua estreita que mão cabia um ônibus. Fazia campanha com Zé Augusto, Gilson e Filippi em Diadema e era comum ver as pessoas dizendo que aquele poste foi o PT que colocou, aquela sarjeta foi o PT, aquela luz foi o PT. Praticamente tudo que tem em Diadema foi feito pelo PT e pelos seus diversos prefeitos. Mesmo quando Gilson saiu do PT, ele foi bom prefeito em Diadema. Filippi tem todas as condições de rearrumar Diadema. Em São Bernardo, conto uma história que eu ouvi do doutor Mauricio Soares, que foi prefeito da cidade por três vezes. Ele me disse: “Lula, o Marinho está conseguindo fazer, em um mandato, mais do que foi feito em 20 anos por vários prefeitos”. O Marinho fez dez UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento). Cuidou da saúde, fez UBSs (Unidades Básica de Saúde), reformou UBSs. Com o Minha Casa, Minha Vida, Marinho fez em quatro anos mais casas do que haviam feito 20 anos antes dele. O Marinho é figura competente. Foi trabalhador da Volkswagen, pintor, tesoureiro no Sindicato (dos Metalúrgicos do ABC), foi presidente do sindicato, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), extraordinário ministro do Trabalho, responsável pelo crédito consignado, extraordinário ministro da Previdência. No tempo em que o Marinho estava na Previdência, o trabalhador se aposentava em 30 dias. Uma mulher recebia auxílio maternidade em meia hora. Agora ficam três anos na fila. Pela qualidade que o Marinho tocou a cidade de São Bernardo, pela competência com o que ele administrou, tenho certeza que o povo de são Bernardo vai recolocar o Marinho na prefeitura outra vez.

Então é possível pensar em uma reconstrução do PT a partir da vitória nessas cidades, remontando a história de 1982?

Se o PT fosse um DEM da vida, um PDS da vida, o PT veria muita gente mudando de partido. Ou o PT teria mudado de sigla. O PT continua sendo o PT porque o PT tem noção do por que nasceu. Nasceu para resgatar a cidadania do povo trabalhador deste País. Para dar vez e voz ao povo que não tinha vez nem voz. Este partido só não pode esquecer para que foi criado, como foi criado, quem foi a direção do partido e os nossos objetivos. O Marinho quer ganhar a Prefeitura de volta e sabe que só tem sentido se for para ganhar e a gente colocar (como prioridade) o povo mais pobre, o povo da periferia, sem esquecer que temos de fazer no Centro, cuidar da limpeza, fazer as ruas com mais qualidade, com saúde para todos. Só tem sentido a gente ganhar se puder fazer com que o povo mais pobre da periferia suba degrau em sua qualidade de vida. Seja na habitação, na energia, no asfalto, na água encanada, no esgotamento sanitário, das UPAs e UBSs. Temos de ter noção que só tem sentido um partido ganhar a eleição para ele melhorar a vida do povo mais necessitado da cidade. Estou certo que o Marinho vai ganhar as eleições e o FIlippi vai ganhar Diadema. A Bete vai crescer muito, embora não tenha acompanhado muito a eleição em Santo André. A Bete é uma boa parceira, tem boa história. Em Mauá estamos muito bem. Acho que o PT está levantando sua cabeça para dizer que viemos para ficar. Não somos organização política transitória. Nos dá orgulho.

Em uma live recente com Luiz Marinho, o sr. disse que não iria caminhar com ele em bairros onde não é bem-vindo. Alguns interpretaram essa frase como humildade política de reconhecer que pode prejudicar em vez de ajudar. Outros acham que a frase foi demonstração clara de falta de vontade de defender o PT. Qual o real sentido da frase?

Uma coisa que tenho saudade e gosto de fazer. Em todas as campanhas que tiveram no Grande ABC, eu fazia todo domingo uns oito comícios em Santo André. Depois fazia seis ou sete em São Bernardo. Depois ia para São Caetano, era menos porque o PT lá era mais fraco. Depois ia para Mauá. Passava vários domingos levantando às 8h, para ter o primeiro comício às 9h, e terminava o último às 21h. Todas as campanhas do Celso Daniel, do João Avamileno (ambos ex-prefeitos de Santo André). Na do (Carlos) Grana (também ex-prefeito andreense) fiz menos porque tinha outras atividades. Gostaria de estar na rua. Gostaria de estar na rua em cada cidade dessa região, conversando com companheiros, conversando com o povo, ouvindo as queixas que o povo tem. Ouvindo reclamações. Mas tentando convencer o povo. Hoje não faço isso porque há pressão enorme. Tenho 75 anos, as pessoas acham que estou na área de risco e não posso pegar coronavírus. Ou eu fico gravando coisas pelo Zoom ou mensagem pela televisão. Eu vou gravar coisas para todos os nossos candidatos do Grande ABC, quero contribuir para que o PT volte a governar as cidades do Grande ABC. Se essa é a única contribuição que posso dar, já que no Grande ABC não tem televisão nem rádio, tenho de conversar via Zoom, pela internet. Vou tentar utilizar todo potencial. Quero utilizar essa entrevista ao Diário também para apresentar alguns recados às nossas queridas cidades do Grande ABC. Moro aqui desde 1965. Depois de Garanhuns, aqui é a minha cidade natal.

A pandemia, então, vai frear a ida do sr às ruas?

A pandemia atrapalhou muito o jeito que tenho de fazer política. Porque quando você faz política pelo fake news, você cria uns Bolsonaros da vida, uns Trumps da vida. Pelo fake news, qualquer um pode mentir, você não precisa se identificar, pode passar um dia inteiro fazendo leviandades contra os outros, contando mentiras, xingando. Quando via à rua, contando mentida para as pessoas, o povo descobre, o povo desconfia. Eu ainda me considero um político de rua. Não me considero político de fake news, de Twitter, de Whatsapp. Eu gosto de ir para a rua conversar com o povo. Dou muito valor ao apertar a mão de uma pessoa, de abraçar essa pessoa. Dou muito valor ao olhar na cara de uma pessoa porque é olhando na cara de uma pessoa que você sente um pouco o que essa pessoa está pensando, o que está necessitando. Infelizmente neste ano estou impedido de fazer isso.

Como morador de São Bernardo, como tem visto o governo local?

Moro em São Bernardo desde 1965. Comecei a trabalhar em na Villares em 29 de janeiro de 1965 e logo me mudei para São Bernardo. Me casei em São Bernardo e continuo em São Bernardo. Não acompanho (a Prefeitura). Você sabe que eu passei 580 dias em Curitiba, na Polícia Federal, depois disso estou dentro de casa desde o dia 12 de março. Voltei de uma viagem à Alemanha. Quando voltei já entrei em confinamento. Estou isolado. Não acompanho o que tem acontecido na cidade a não ser pela imprensa. Acho que o Marinho vai ganhar a eleição em São Bernardo porque o Orlando (Morando, PSDB, prefeito de São Bernardo) utilizou uma tática daquele político velho, que faz parte da política brasileira. Passo mandato inteiro sem fazer nada e no último eu faço uma série de coisas e o povo pensa que estou trabalhando muito. Muitas das coisas que Orlando Morando acabou foram coisas que o Marinho começou. E o Marinho não pôde dar sequência por duas razões: a primeira porque acabou o mandato dele. Segundo porque o dinheiro, a partir de 2012 e 2013, começou a rarear porque começou a cair receita no Brasil. Tinha menos transferências de dinheiro para os projetos importantes e o governo do Estado não ajudava. O (ex-governador Geraldo) Alckmin fez um carnaval que iria fazer um Metrô e cadê o Metrô? Não sei porque há tipo de político que prefere fazer promessa em vez de obra. O (governador João) Doria tenta jogar peso grande na região. Quer fazer da região um fórum importante para futuras pretensões políticas dele. Se fizer benefício para as cidades, se o Doria quiser colocar dinheiro aqui, se o (presidente Jair) Bolsonaro quiser colocar dinheiro aqui, se esse dinheiro for transformado em benefício para o povo, tudo bem. Não haverá objeção minha. Mas as pessoas precisam fazer porque os prefeitos sozinhos não conseguem fazer. Está caindo a arrecadação no Grande ABC, estão diminuindo os postos de trabalho no Grande ABC. No setor de serviços,  tivemos entre janeiro e agosto, diminuição de quase 14 mil postos de trabalho. No setor da indústria, no mesmo período, quase 9.000 postos. No comércio, 8.000 postos de trabalho foram perdidos na nossa querida região. É preciso que a gente comece a discutir, à medida em que a indústria vai diminuindo a quantidade de postos de trabalho, ora porque tem crise econômica, ora porque  tem pandemia, ora porque tem muitos avanços tecnológicos. Precisamos utilizar o Consórcio (Intermunicipal do Grande ABC), que foi criado aqui, que funcionou bem no primeiro momento, não sei como está agora, para pensar novos nichos de indústrias a serem implantadas no Grande ABC. Veja o significado extraordinário da UFABC. Uma universidade que está com 15 mil alunos, que tem cursos muito importantes, em Santo André, São Bernardo, Diadema. Fizemos em Guarulhos, em Osasco. Não deu para fazer em Mauá porque o terreno que adquirimos estava contaminado. A universidade é um polo muito atrativo para novos investimentos, sobretudo investimentos mais qualificados, não apenas de indústria, mas de indústria de ponta, de coisas mais sofisticadas. Precisamos utilizar o Consórcio para que a gente possa discutir que tipo de nicho industrial queremos trazer para esta região. O que a gente quer desenvolver na região? Tive reunião com o Wagner (Santana), presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e fiquei até triste. Quando eu era presidente do sindicato, a Volkswagen tinha 40 mil trabalhadores. Chegou a ter 44 mil. A Volkswagen agora está com 7.500 trabalhadores. A Mercedes-Benz tinha 18 mil. Será a maior indústria metalúrgica da região com 9.000. A Ford desapareceu, a Karmann-Ghia também. A Volkswagen caminhões desapareceu, a antiga Chrysler.  É preciso que a gente pense que novo tipo de indústria. Veja o que é a tecnologia. A Volkswagen, com 40 mil trabalhadores em 1980, produzia a mesma quantidade de carro que produz hoje com 7.000 trabalhadores. Significa que a tecnologia ocupa lugar de um trabalhador. É bom? É, sobretudo para quem é o dono da empresa. Mas para um trabalhador que sobrevive de salário, como a gente resolve? A onde está essa gente, onde estão trabalhando, morando, como vivem? Se a gente não souber isso, não conseguimos fazer proposta de novos fóruns de desenvolvimento industrial. Acho que é para isso que serve o Consórcio das prefeituras, para isso que servem o governo do Estado e o governo federal. Não defendo governo empresarial, mas sim governo indutor, capaz de pensar o país, o desenvolvimento regional e o local. Isso em parceria entre os entes federados e, a partir daí, alocar dinheiro para desenvolvimento, que se dê por meio de estratégia bem definida por meio de governadores e prefeitos deste país.

Este debate é tímido na região na sua visão? Está atrasado?

Acho sim. Sei do sacrifício e dos esforços que o Sindicato dos Metalúrgicos fez, que o Marinho, enquanto ministro e prefeito, fez, para a gente tentar fazer o acordo que o Brasil fez para compra dos aviões caças da Suécia e para trazer parte da produção desse avião ao Grande ABC. Me aparece que vai acontecer. É preciso que os prefeitos também assumam as responsabilidade e que os prefeitos possam trabalhar no Consórcio junto dos trabalhadores das mais diferentes categorias para pensar o que oferecer para o setor produtivo sentir vontade de vir para o Grande ABC. Temos mão de obra muito qualificada. Estamos a 50 quilômetros do maior porto do Brasil. Vários aeroportos importantes, melhores rodovias do Brasil. Estamos perto do triangulo do comércio, com Rio de Janeiro e Minas Gerais. É plenamente possível, se a gente gastar um tempo. Em vez de reunir só para discutir que está caindo imposto, é discutir o que fazer, no século 21, neste momento de revoluções tecnológicas, em que tudo funciona digitalmente, o que fazer para a gente gerar empregos nas cidades onde somos prefeitos, vereadores, sindicalistas. É tarefa que temos de pensar para convencer que novas indústrias venham se implantar no Grande ABC. Que tipo de indústria? Temos de saber e as prefeituras devem ter isso, com estudos qualificados, que tipo e mão de obra temos, temos universidades qualificadas na região, isso oferece a quem queira investir mão de obra altamente qualificada para qualquer indústria que queira vir para o Grande ABC.

A Ford, onde o sr. fez muitos comícios e discursos, saiu de São Bernardo. Como o sr. viu essa decisão da empresa?

O problema é que essas empresas agora viraram empresas mundiais. Sou de São Bernardo da terra onde as pessoas que nasciam aqui eram tratadas como batateiros. A Marisa (Letícia) era batateira. A mãe dela, dona Regineta (Rocco), era batateira. Depois, ao mesmo tempo, vivíamos São Bernardo, que era a capital da fábrica de móveis da América Latina, na famosa Jurubatuba. Tudo isso foi acabando, até chegar a indústria automobilística e foi revolução. Quem não viveu o início da indústria automobilística no Brasil não sabe o que é desenvolvimento. Não sabe o que é geração de emprego. Uma empresa roubava trabalhador da outra. Você estava na porta de uma fábrica, passava perua com megafone chamando os trabalhadores. ‘Saiam da fila, pagamos mais do que paga a Mercedes, a Volkswagen’. Era uma loucura. Tivemos desenvolvimento excepcional na década de 1960. Depois na década de 1970, até 1974, o PIB crescia 14% ao ano. Esse período acabou. Acabou por causa dos avanços tecnológicos, por causa da quantidade de indústria que foi se dividindo por outras regiões do País, hoje tem automobilística no Ceará, Recife, interior de São Paulo, Rio de Janeiro, no Paraná. Diversificou a quantidade de indústrias, elas se espalharam pelo Brasil. E os avanços tecnológicos permitiram que se produza muito mais, às vezes até com mais qualidade, com menos trabalhadores. Esse é o preço dos avanços tecnológicos. O preço dos governantes é descobrir como suprir esses avanços tecnológicos sem perder os avanços das conquistas sociais do povo trabalhador. É preciso pensar que uma nação não é soberana por causa da indústria. É por causa do seu povo. Seu povo tem de ter boa qualidade de vida, boa educação, bom salário. Aí você constrói nação efetivamente soberana. É isso que temos de discutir no Brasil. O momento que estamos vivendo no Brasil é que não se vê o governo federal utilizar a palavra investimento, desenvolvimento. Não vê o (ministro Paulo) Guedes (da Economia) falar em aumentar salário, diminuir alíquotas para o trabalhador que ganha menos. Eles não falam em financiamento para o pequeno. Tudo que falam é a necessidade de vender o patrimônio público, vender as empresas, para pagar juros da dívida. Isso eu diria que é crime contra qualquer tese de soberania nacional. O Estado não tem de ser autoritário, tem de ser forte, indutor para resolver problemas. Não adianta dizer que o Estado não tem força. Quando aconteceu a crise do Lehman Brothers, quem resolveu? Não foi a federação dos bancos dos Estados Unidos. Quem resolveu foi o Estado, emitindo trilhões e trilhões de dólares para cobrir a quebradeira que o Lehman Brothers causou na economia mundial. Há informações de que chegou-se a gastar quase US$ 25 trilhões. E ainda não reparamos a crise de 2009, crise do sistema financeiro, nascida dentro do sistema financeiro. Em vez de ganhar dinheiro investindo no setor produtivo para gerar emprego, para gerar produto, resolveu viver da especulação. Ficamos trocando papéis sem produzir um copo, óculos. Não tem como a economia sobreviver. É preciso que a gente tenha noção do papel do Estado. No coronavírus, o que descobrimos? Imagina você se não tivéssemos o SUS no Brasil? O SUS foi tripudiado pela elite brasileira e por parte da imprensa brasileira desde que ele nasceu, em 1988. Somente agora é que ficou claro para as pessoas o papel do Estado. Temos sistema de saúde que pode resolver o problema de uma crise, algo que muitos países não tiveram. Só chegamos à gravidade que chegamos porque o Bolsonaro é o ultrairresponsável. Ele trata o coronavírus como uma gripezinha. Ele acha que não vai pegar e não se importa se a mãe do vizinho pegar. A gente poderia ter evitado metade das mortes. Agora você está vendo a briga dele ideológica com a vacina chinesa. Ele não briga com a vacina chinesa, briga com a inteligência. Porque no governo Bolsonaro a ignorância venceu a inteligência. Se você tem estrutura, corpo docente, com especialista da alta qualidade como no Instituto Butantan, que quer utilizar no Brasil a vacina chinesa é porque esse cientista tem qualificação para dizer que pode resolver. Se tem cientista que aprova a vacina russa é porque pode resolver. Mas o Bolsonaro é tão ignorante que espera que o (Donald) Trump (presidente dos Estados Unidos) empurre vacina. Ele espera. Ele está provocando um gesto de irresponsabilidade fiscal ao deixar 210 milhões de seres humanos órfãos de pai e mãe porque ideologicamente ele não quer. O máximo que ele pode fazer é tomar a decisão de ele não tomar vacina. Se não quiser tomar, não saia de casa, porque se sair de casa você passa a ser agente transmissor. O Estado tem de ter responsabilidade de oferecer ao povo a vacina. Não é ideologicamente. Vou comprar da Suécia porque o povo tem os olhos azuis e não vou comprar da África porque o povo tem olhos castanhos?  Não é assim. Vou comprar aquela que a ciência do meu País disser que é a mais eficiente. Vou comprar aquela que a ciência do meu país vai preservar a vida do meu povo. Era assim que deveria estar pensando, mas ele não pensa assim. É um governo que não pensa no Brasil. É uma loucura. Sinceramente é uma loucura.  Faço política dede 1969 e nunca imaginei que a gente pudesse chegar ao dia em que estamos vivendo. Em que a insensatez, a violência, a burrice e a ignorância venceriam tudo de bom que este Brasil já construiu. É triste, mas é verdade.

Por que um partido que leva trabalhadores no nome, que dialogou tanto com essa classe, não conseguiu manter o discurso ao filho desses trabalhadores, já que há muitos desses filhos de trabalhadores que detestam o PT e a sua figura?

Não há nada no mundo que você, do ponto de vista da política, possa dizer que vai ser eterno. O PT construiu narrativa e discurso nos anos 1980 que permitiu a gente criar o partido, a gente conquistar várias vitórias no movimento sindical, permitiu a gente criar a CUT, permitiu até que a gente participasse da criação do Movimento Sem Terra, em 1984. Era momento tão bom na nossa vida que ninguém mais falava que eu era médico. Era trabalhador da saúde. Jornalista era trabalhador da comunicação. Advogada é trabalhadora do direito. Porque o trabalhador virou coisa chique e importante nos anos 1970 e 1980. Criamos partido político. Temos uma terceira geração dentro do partido, são 40 anos. É normal que um filho de trabalhador não seja obrigado a pensar como o pai. O discurso que convenceu o pai dele pode não ser o discurso que preciso fazer hoje. Há uma evolução da espécie. Tem também evolução da política. Digo que o PT não pode esquecer as raízes e motivações para as quais foi criado.  Se o PT não esquecer isso, fica fácil o PT construir o discurso não para o filho, mas para o neto daquele trabalhador que ajudou a criar o PT. Um estudante de São Bernardo, que está na Universidade Federal o ABC, não tem que me dever favor. Ele tem de dever favor à família que ajudou ele, ao esforço que ele fez. O que o governo fez? Deu oportunidade. Quero agradecer ao Professor Luizinho (ex-deputado federal de Santo André), foi um dos mentores do projeto que criou a Universidade Federal do ABC. Tinha obsessão de trazer universidade para cá porque não entendia como a região mais industrializada do País, que tinha média salarial mais alta do País, não tinha universidade federal. Não conseguia entender isso. Tomamos a decisão correta, fizemos isso, as pessoas evoluem politicamente. É importante lembrar que a direita é como um camaleão, muda de cor. A direita não é uma coisa de uma cor só. Já foi PDS, foi Arena, foi PMDB, MDB, PP, PSD. Ela muda. Vai mudando. Pega a quantidade de siglas que há hoje e as pessoas que participam desses partidos e vai perceber que quase todos eles saíram do mesmo útero. O útero da ditadura, da direita, do conservadorismo. Vai ter distante disso o PT, PcdoB, o Psol. Uma parte do PDT. A maioria vem de uma árvore genealógica chamada ditadura militar, que criou Arena e MDB. A Arena era o partido do sim. O PMDB, do sim, senhor. É desta árvore genealógica que vem essas ramificações todas. Precisamos estar, a cada dia, nos renovando, nos reconstruindo e tentado motivar pessoas fazerem políticas no momento em que há interesses internacionais, externos, de não aceitar a política. Tenho muito medo quando vejo as pessoas fazerem crítica à política porque fora da política não existe solução para os problemas. A experiência histórica nos deu Hitler e nos deu Mussolini. No Brasil, nos deu Bolsonaro. Nos Estados Unidos, Trump. É a negação da política. ‘A política não presta, sou puro, não gosto disso daquilo, viva a Deus, vamos ganhar as eleições e matar quem não pensa como nós.’ O New York Times publicou matéria que o Trump conta 12 mentiras por dia. No Brasil, um presidente da República tenta receitar remédio pela televisão sem base científica e agora diz que vai recusar comprar vacina sem base científica por apenas uma questão dele, pessoal. Como é possível? A construção da democracia não tem fim. É uma luta. Tem de respirar todo dia para sobreviver. Se tiver tosse toma um remédio.  Porque a hora que parar de respirar você morre. A democracia é isso. Tem de recriar, inventar, contestar, aprovar. Isso chama-se democracia.

Mas o partido acompanha essa evolução da espécie que o sr. disse? Não ficou preso no discurso do passado?

Nosso papel é não nos conformar nunca. Seja quando a gente ganha ou perde. Quando a gente ganha uma eleição temos responsabilidade de fazer aquilo que prometemos. Eu já contei várias vezes que, quando fui eleito presidente, tinha medo de não dar certo. Eu olhava o resultado do Lech Walesa na Polônia, que teve 0,5% quando tentou se reeleger. Era um fracasso total. Tinha medo e do segundo mandato também. Se eu errasse, não poderia ir para porta da fábrica encarar os trabalhadores. Eu moro a 600 metros do sindicato. Como vou olhar esse povo que depositou confiança em mim se eu errar. Tinha obsessão em dizer que eu não tinha direito de errar. Tenho orgulho de ter governado com o povo brasileiro. A gente não pode descansar de trabalhar, não pode se acomodar. Tem de ir para rua, conversar com o povo.  O político, quando tem algo ruim contra ele, não pode se esconder, tem de botar a cara. Tem de se explicar. Por que a gente gosta tanto quando o povo bate palma para a gente e fica nervoso quando o povo nos vaia? Temos de saber por que nos aplaudiu e por que nos vaia. O político não pode ter medo disso. O prefeito de uma cidade quando sabe que uma vila está revoltada com ele, ele não pode se esconder, ele tem de ir àquela vila. Se tiver assessor que fale para ele não ir à Utinga, porque em Utinga o povo está bravo, é melhor ele mandar o assessor embora e ir para Utinga, enfrentar desaforo, conversar com o povo. É assim que a gente governa. Por isso que tenho orgulho pelo que fiz no Brasil. Governar oito anos e deixar a Presidência com 87% de bom e ótimo, 10% de regular e 3% de ruim e péssimo, não tinha acontecido até então na história política das democracias. E aconteceu. Tenho orgulho de poder ter provado que trabalhador, operário nascido dentro de fábrica, sem diploma universitário, pode ter mais competência para governar do que gente que não conhece uma fábrica, não conhece uma periferia, mas que tem muitos diplomas. A gente não aprende a fazer política na universidade. Na universidade a gente aprende a ter conhecimento específico e virar especialista em alguma coisa. A política você tem de ter conhecimento geral e, sobretudo, conhecer o povo que você quer governar. A alma da sua gente. Uma vez eu briguei com o Otávio (Frias) na Folha (de S. Paulo) e o pai dos Frias me ofereceu almoço. Ele perguntou se eu sabia falar inglês. Eu disse que não. Ele me perguntou como eu queria governar o Brasil sem falar inglês. Tenho de falar português, não vou governar os Estados Unidos. Tenho de falar para meu povo entender. Eu levantei da mesa, estava com raiva, deu um quiprocó não recomendável (risos). Eu acho que precisamos conversar muito com a sociedade. A sociedade não só está informada pelas informações que recebe, agora ela interage as  informações. O povo está tentando criar seu próprio meio de comunicação. A internet é revolução extraordinária, pode ser um bem para a humanidade extraordinário.  Nem sempre é utilizado para o bem. Quando se faz campanha eleitoral que o Bolsonaro monta indústria de fake news para mentir, ou o Trump, ou o presidente da Hungria, isso deforma a democracia. Um presidente da República não tem o direito de mentir, não tem o direito de não dizer a verdade todo santo dia. O PT precisa ter noção disso. É isso que precisa dizer na prefeitura. O PT cometeu erro nas prefeituras? Cometeu.  O PT cometeu erro na Presidência? Cometeu. E os acertos? Duvido que em Santo André tenha pessoa com a qualificação administrativa que tinha o Celso Daniel. Duvido que Diadema tenha um cara competência do Filippi. Não duvido da capacidade dos outros. Mas o Filippi junta a capacidade de sua formação intelectual com a capacidade de entrosamento com o povo, de interação como povo. O Marinho aqui em São Bernardo, se vê-lo fazer campana, você fica orgulhoso em ver um companheiro andando casa por casa, ter adotado o orçamento participativo, que foi revolução do PT para que o povo de cada bairro reunido possa falar que obra quer, se quer estádio escola, praça. Essa é a revolução gerencial que os prefeitos têm de fazer. Inclusive, os prefeitos têm o papel de pensar na geração de emprego para sua cidade. Não é só xingar o governo federal ou o Estado. O que estou oferecendo? Não oferecendo dinheiro, não. É oferecer mão de obra qualificada, de transporte, de energia. É isso que incentiva alguém fazer investimento em uma região. Não discurso.

A nova rodada do Datafolha, que mostrou Jilmar Tatto (PT) ainda atrás de Guilherme Boulos (Psol), amplificou debate de o PT retirar sua candidatura para apoiar Boulos. Não é hora disso?

Esses dias eu estava assistindo ao jogo do Flamengo e Corinthians com a Janja (Rosângela da Silva, sua namorada). O Flamengo fez 5 a 1 no Corinthians. Ela perguntou para mim por que eu não trocava de time. O Corinthians é meu time do coração. Não vou trocar. Acontece o mesmo na política. O Jilmar participou de debate interno no partido com sete pré-candidatos a prefeito. O Jilmar ganhou. Se ele ganhou e nós queremos que o partido cumpra regras que nós mesmos deliberamos, o que temos de fazer? Apoiar o Jilmar. Ele pode ganhar ou perder. A gente não pode ser partido… Imagina o cara na McLaren, a cada vez que o (Lewis) Hamilton (piloto da Mercedes da Fórmula 1) passa ele, desiste da corrida? Não, o cara tem de continuar correndo, pisar no acelerador. Não vai ganhar, mas vai disputar. Acho que é cedo fazer avaliação das eleições. Começaram agora os programas de televisão, é uma eleição muito difícil. Quem tem muito acesso à internet, muita gente que acompanha na rede, sai na vantagem. Mas em uma maratona de 45 dias, vamos ver o que vai acontecer lá na frente. Não é possível alguém achar que o Jilmar pode desistir. Se o Boulos for ao segundo turno e o Jilmar não for, acho que o PT não tem nenhuma dúvida de apoiar o Boulos. Como acho que se o Jilmar for ao segundo turno, o Boulos não tem dúvida de apoiar o Jilmar. Vamos disputar, foi para isso que criamos os dois turnos. Eu fui vítima disso em 1989. As pessoas não queriam que eu fosse candidato. Falavam que era importante o Lula apoiar o (Leonel) Brizola, o Ulysses Guimarães. Eu tinha 3% em julho. O Estadão publicou matéria que eu tinha 2,75%. Eu cheguei a pensar em desistir da campana porque iria dever ponto para o Ibope. E quem foi ao segundo turno? Fui eu.

Mas não corre o risco de Celso Russomanno (Republicanos) e o Bruno Covas (PSDB) irem ao segundo turno e a esquerda não ter nome na reta final na Capital?

Veja, disputamos duas eleições (ao governo do Estado), 1994 e 1998, o (Mário) Covas foi ao segundo turno e bancamos o Covas. Quando ganhamos a eleição com a Marta (Suplicy), o PSDB perdeu, o Mario Covas nos apoiou. O (Fernando) Haddad derrotou o (José) Serra e recebeu apoio dos outros partidos políticos. É por isso que tem dois turnos. Disputam quantos candidatos quiserem em Santo André, porque todo mundo pensa que é bom. Todo mundo pensa que vai ter muito voto. A única chance de saber disso é o cara ser candidato. Se o cara for candidato ele vai perceber. É muito legal isso. É saudável para a democracia. O que não pode é um cidadão ficar pesando para o outro desistir. Tem de disputar primeiro. Isso é bom para democracia. O Jilmar está disputando e acredita que vai ganhar. Como vamos tentar tirar esse desejo de uma parte do partido e dele? Agora virou desejo do partido todo. Não vamos fazer isso. Disputa e ver o que dá. Foi assim comigo em todas as eleições. Em 1989, em 1994, em 1998. Vamos disputar. Vale para todo mundo isso. Dois turnos é benefício extraordinário. Só vai ao segundo turno depois da apuração. O Brizola, quando fui pedir apoio para ele no segundo turno, tive 500 mil votos a mais do que ele. O Brizola tentou me convencer que tinha empate técnico entre eu e ele. E que, portanto, os dois deveriam desistir para apoiar o Mario Covas. Eu disse a ele: ‘Querido, não houve empate técnico. Eu tive 500 mil votos a mais do que você. E o Mario Covas teve 4 milhões de votos a menos do que nós. Se o povo quisesse o Mario presidente, teria votado nele no primeiro turno’. Como quero ver o time campeão se nem na zona de classificação ele estava? Tem de se classificar para depois disputar o título. Quem tiver vontade de ter candidato lance seu candidato, coloque a cara dele, para o povo saber. Tem muita gente que quer ser candidato. Deixa disputar. O povo vai escolher aquele que melhor convencer.

O sr. disse que o PT é o principal partido da América Latina. Mas, nos últimos tempos, temos visto que a juventude está mais simpática às causas do Psol do que as do PT. As intenções de voto em Boulos são retrato disso. O PT se distanciou da juventude? Pode perder esse protagonismo na esquerda?

Acho que o PT continua sendo o mais importante partido brasileiro, com todo respeito aos demais partidos, o mais forte do Brasil. E um partido passa por revés. Acaba de ver uma eleição que o Psoe (Partido Socialista Operário Espanhol) na Espanha tinha perdido Madri para o Podemos e muita gente dizia que o Psoe não iria ganhar mais. O Psoe governa a Espanha. O PT é partido enraizado na sociedade brasileira. Não é coisa de moda. Não é moda de verão. Não é moda de eleição. É organização política enraizada. Tem lado, faz questão de dizer. Queremos ganhar as eleições para, embora a gente governe para todos, poder priorizar o povo mais necessitado. É o povo trabalhador, o excluído, para que ele possa conquistar degrau na cidadania que a Constituição garanta que todo mundo tem de ter. O PT não pode ser o partido do tudo pronto. De vez em quando me pedem para ter uma definição e eu digo que sou uma metamorfose ambulante. Vivo aprendendo. Não tenho discurso único. Tenho um discurso prioritário. Combater a fome, para mim, é prioridade. Gerar emprego é prioridade. Provar que é possível aumentar o salário mínimo acima da inflação foi prioridade e fizemos isso durante todo o período em que estivemos no governo. Colocar filha de empregada doméstica na universidade foi prioridade. Criar o Prouni foi prioridade. Fazer com que Estado financiasse o Fies foi prioridade. Por que o Estado pode emprestar dinheiro para dono de uma siderúrgica e não pode para um estudante? Por quê? Tem tanta gente que dá calote no Estado. Porque só estudante que dá calote é criminoso? Essas coisas você só faz quando tem opção, lado. O PT ainda é esse partido. O PT vai perdurar muito tempo na história política brasileira. Tem muitos quadros, quatro governadores do Estado, maior bancada na Câmara, bons senadores. Vamos tentando recuperar, neste ano, as cidades importantes do Brasil. Se não der neste ano, dará em 2024. Não podemos é desistir. O PT tem cara, faz questão de mostrar sua cara e é por isso que disputamos essas eleições com toda força em todas as cidades.

O PT foi criticado por parte da esquerda por não compor antes da eleição presidencial com outras siglas, abrir mão de ser o cabeça da chapa. Essa crítica, por exemplo, tem sido usada recorrentemente pelo Ciro Gomes. O sr. acredita que houve erro na tática em 2018? O sr. acha que o PT ajudou, de certa forma, Bolsonaro a chegar ao poder?

Você acha que é verdade? O Bolsonaro chegou à Presidência da República porque os tucanos definharam. Eles definharam. Se o PDT tivesse tomado a decisão de apoiar o PT, o Bolsonaro não tinha vencido as eleições. Eu não faço crítica porque cada um a tem decisão que bem entende. O candidato natural do PT naquelas eleições era eu. Se eu fosse candidato, eu teria vencido aquela eleição mesmo dentro de uma cela na Polícia Federal. Porque a safadeza e canalice que fizeram para me prender estão escancaradas, públicas. O Haddad foi lançado candidato a 20 dias das eleições e teve 47 milhões de votos. Não é pouca coisa. Demonstra força do PT. Se tiver eleição em 2022, o PT estará na disputa. Ganhar ou não é questão da disputa. O PT tem condições de ganhar e construir aliança com setores de esquerda para ganhar as eleições e recuperar o direito deste País em exercer uma governança. Esse negócio do antipetismo é fantástico. Historicamente você vai perceber que nunca ganhei uma eleição no primeiro turno. Significa que eu tenho 46%, 47% dos votos de apoio no primeiro turno. No segundo turno, a gente vai procurar aliado. Tive 61%, 62% das duas eleições que disputei. O Alckmin, na disputa comigo em 2006, ele perdeu 4 milhões de eleitores do primeiro ao segundo turno. Foi a primeira vez que um candidato teve menos voto do que no primeiro turno. Eu cresci 12 milhões de votos. Disputei três eleições tendo cerca de 30% dos votos. Não poderia mais disputar para ter 30%. Precisaria ser candidato para ter 50%. Fui procurar aliança com o Zé Alencar e construímos uma aliança que nos permitiu ganhar a eleição. Temos de construir isso para 2022. Não existe o antipetismo, antitucano, antiArena, antiCiro, antiLula. Não o existe isso. Precisamos saber quais os defeitos que temos para que a gente, durante o processo, possa corrigir para convencer o povo.

E esse nome do PT em 2022 é o sr.?

Essa pergunta é feita para mim quase todo santo dia e cansei de responder. Eu não tenho necessidade de ser candidato a presidente. Já fui candidato a presidente, já fui presidente da República, já fiz bom governo. Digo para as pessoas que eu vou estar com 77 anos no dia 27 de outubro de 2022. Estarei com 77 anos, com energia de 35 e tesão política de 30. Temos muita gente, todo mundo pode estar fazendo campanha já. Se chegar ao dia de definir e eu perceber que sou a pessoa que tem condições de derrotar, não tenha dúvida que minha tesão política vai para 20 anos de idade. Eu posso ter essa mesma vontade de ajudar companheiros do meu partido. Ou alianças políticas. Temos quatro governadores do PT, temos o Flávio Dino (PCdoB, governador do Maranhão), temos o Ciro Gomes, temos o Haddad, que foi extraordinário candidato. Temos muita gente. O Lula necessariamente não tem de ser candidato. Mas se cuidem. Trabalhem e se preparem. Porque levanto todo santo dia às 5h, faço 8.300 metros de caminhada todo dia, faço alongamentos. Vou viver 120 anos. Estou desconfiado disso. Diz a ciência que o homem que vai viver 120 anos já nasceu. Por que não eu?  Por isso me considero sempre muito jovem, otimista. Para mim não tem tempo feio, nada impossível. A única coisa impossível é Deus pecar. As outras coisas o homem pode fazer tudo se ele quiser. Sou teimoso, sou tinhoso. Se não fosse, não teria chegado onde cheguei. O PT está em qualquer disputa deste País.

Essa vontade de ser candidato sobe muito se o ex-ministro Sergio Moro for presidenciável?

O Sergio Moro é invenção da Rede Globo. Vai perceber que o Sergio Moro foi a grande mentira da segunda década do século 21. Uma mentira, que se você prestar atenção no que vai acontecer… só de ver entrevista do Sergio Moro vê que ele não tem coragem de olhar olho no olho. Quem é mentiroso não olha no olho. Quem é mentiroso baixa os olhos. O Sergio Moro é mentiroso. Inventou a história, construiu a mentira e deu a sentença. Estou querendo provar a verdade. Na minha defesa a verdade está aproada. O Intercept ajudou a provar a outra parte. Espero que a Suprema Corte possa punir o Moro. Não é possível que o Brasil possa ter um juiz mentiroso e indecoroso como o Moro, julgando pessoas. É por isso que estou muito tranquilo. O Moro não será candidato. Se for, será uma vergonha. Gostaria muito de ver o Moro no debate justificando as mentiras dele.  Logo logo você vai ver uns dados e vai perceber o que a Lava Jato construiu neste País de prejuízo à economia brasileira. Vão sair estudos mostrando o que foi o assombro da quebra da economia brasileira praticada pela Lava Jato, a queda do PIB, da massa salarial, da arrecadação. Só de emprego foram mais de 3 milhões de pessoas pela quebradeira generalizada em função das mentiras da Lava Jato. Pode combater corrupção. Você descobriu que o presidente da Odebrecht roubou? Então prenda ele. Mas deixa a empresa funcionando. O que os trabalhadores têm a ver com isso? Estou convencido que o Moro e a força-tarefa da Lava Jato foram utilizados pelo departamento de justiça norte-americano para fazer prevalecer a vontade de Estado norte-americano na Petrobras e indústria de engenharia neste país.

O sr. crê ser possível reverter as condenações que já sofreu nos processos movidos pela força-tarefa da Lava Jato?

Estou muito tranquilo porque eu já provei a história, que houve farsa e mentira para me tirar do processo eleitoral. Eles tinham clareza que não dava para ter dado o golpe na Dilma (Rousseff) e depois deixar o Lula voltar à Presidência. Resolveram construir toda uma encenação e, para mim, veio de fora para dentro, porque os norte-americanos nunca se conformaram com a lei da partilha para que a Petrobras voltasse a ser do povo brasileiro. Porque o que descobrimos de petróleo é a maior reserva do século 21. Não sei se existe outra no planeta, que nos dá autonomia e soberania extraordinárias. Trouxemos o petróleo para ser o passaporte do futuro deste povo. As multinacionais e os norte-americanos não concordaram com isso. Se pegar a história do petróleo, desde 1869, vai perceber que o petróleo foi a razão pela qual os norte-americanos tomaram decisões antidemocráticas no mundo inteiro, fizeram guerra no mundo inteiro, deram o golpe no mundo inteiro. No Brasil, utilizaram o poder judiciário, uma coisa chamada lawfare para tirar o Lula do jogo. Eu estou tranquilo. Tenho certeza que nem o (Deltan) Dallagnol nem o Moro estão tão tranquilos quanto eu.

O Bolsonaro tem avançado sua popularidade no Nordeste, onde historicamente o PT tem forte influência. Como o sr. vê isso? E acha que o Bolsonaro é candidato à reeleição?

Acho que ele será candidato à reeleição. Esse tipo de gente que vota no Bolsonaro sempre existiu. O que o Bolsonaro deu para eles foi uma espécie de cidadania de colocar sua ignorância para fora sem ter vergonha. Essa gente tinha simpatia pela ditadura militar, pela tortura, não gostava do Bolsa Família, não gosta de negros, de tratar o aborto como questão de saúde pública. Essa gente existia, já foi Malufista, já foi Janista. Era antipetista. É antidemocrática. O que o Bolsonaro deu para eles? Vamos sair do anonimato e colocar pessoas para fora, vamos ter orgulho de ser o que somos. Passou a dar cidadania para o cara ser ignorante, que ofende você no restaurante, que não tem vergonha de te xingar, de ofender uma pessoa na rua, de é contra quilombolas, de ser contra políticas de cotas, de ser contra pobre na universidade, de ser contra política de transferência de renda, de ser contra quem briga para evitar o desmatamento. Essa gente sempre existiu. O Bolsonaro criou que eles possam gritar: ‘não tenham medo da esquerda’. Eles passaram a gritar. O Trump fez a mesma coisa. Eu ouvi o Trump em um comício dizendo que se estivessem na rua e ouvirem alguém falando mal, poderiam bater porque iria contratar advogado para defender vocês. O ódio estabelecido na sociedade norte-americana entre republicanos e democratas é coisa maluca. Eu vi o Trump chamar o (Bill) Clinton de comunista. O (Barack) Obama de comunista. Essas coisas bizarras, que ninguém de bom senso acredita, eles estão fazendo acontecer. A maioria das pessoas é boa. Tem 70% das pessoas que não acreditam nisso. Precisamos construir a narrativa mais digna, respeitosa, deixar essa gente com vergonha de ser os pairas que eles são. Não dá para o cara dizer que não gosta de negro. Que o pobre não pode ir para a universidade, que não gosta de LGBT, que não gosta do feminismo. O que é isso? O presidente não tem que gostar ou não. Tem de governar para atender aos interesses da sociedade.

Qual futuro do Sindicato dos Metalúrgicos diante da redução da sua base de trabalhadores e do fim da obrigatoriedade do imposto sindical?

A CUT foi criada com discurso, que balizava a cabeça dos dirigentes, pelo fim do imposto sindical. O que nós queremos é que cabe aos sindicatos, em assembleia, definir o tipo de contribuição que os trabalhadores terão com o sindicato. Não queremos imposto sindical. Queremos liberdade de definir. Essa é a grande briga do movimento sindical. O governo não permitindo isso e o Congresso não aprovando, asfixiaram os sindicatos. Nada de defesa do imposto sindical. Queremos defender a autonomia dos trabalhadores em assembleias soberanas para que tipo de contribuição possam fazer para o sindicato.

O sr. segue com pensamento de se mudar de São Bernardo?

Eu sempre, desde 1975, tinha vontade de sair de São Bernardo porque meu filho tinha asma. Eu queria mudar. Depois que deixei a Presidência pensei em passar um tempo no Nordeste. Não fui porque a Marisa é nascida em São Bernardo, no bairro dos Casa, tudo era São Bernardo para ela. Estou pensando em passar um tempo fora. Já fiz grande parte das coisas que tinha para fazer. Estou pensando seriamente em tomar uma decisão. Estou em situação ainda delicada porque tenho história política no Grande ABC e o pessoal fica me cobrando. Mas também não sou mais dirigente sindical. Estou há um ano e meio preso. Fiquei na cadeia e agora estou dentro de casa. Vou definir a data, mas quero passar tempo fora. Mas não de fazer política. Em qualquer lugar que estiver, seja em Roraima, na Bahia, Pernambuco, Ceará, quero continuar fazendo política. Pelo Zoom posso dar entrevista e fazer 500 coisas. É algo que pensa seriamente.

Fonte: Pensar Piauí
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